Alberto da Costa e Silva (1931-2023)
[2]A perspectiva é um dos componentes organizadores da realidade, indicativa da circunstância do lugar em que estamos e nele nos localizamos para adquirir a mobilidade transformadora da razão e da sensibilidade.
A perspectiva é um dos componentes organizadores da realidade, indicativa da circunstância do lugar em que estamos e nele nos localizamos para adquirir a mobilidade transformadora da razão e da sensibilidade.
A velhice é, dizia Norberto Bobbio, sobreviver. Essa palavra significa continuar vivo, mas também que outros estão mortos. E, quanto mais sobrevivemos, mais perdemos: pais, irmãos, parentes, amigos vão nos deixando sós, terrivelmente sós. Neste domingo faleceu mais um querido amigo, Alberto da Costa e Silva.
Alberto da Costa e Silva não devia morrer, não podia morrer. Era uma hipótese improvável. A multa seria muito pesada. E tudo mais, desnecessário. Tenho certeza de que não conseguiu. Uma obra límpida e altiva, rebelde e inovadora, vasta e fascinante não se desfaz.
Houve uma época em que eu ia com certa frequência a São Paulo e sempre guardava um pedaço de tarde para ir ver, em sua galeria, Marcantonio Vilaça. Para aprender com ele o que havia de novo nas artes plásticas e banhar-me de inteligência e sensibilidade. Marcantonio era um grande conversador, desses em que uma afirmação contém uma raiz de pergunta, para manter sem pausa ou silêncio o correr do diálogo. Lembro-me que era assim que discutíamos: perguntando. E discordávamos quase o mesmo tanto que coincidíamos, às vezes para ver até onde era capaz de ir o outro.
A peça de Zora Seljan, "Exu, o cavaleiro da encruzilhada", será lida no contexto da Exposição de Arte Africana que se encontra no Arte Sesc (Rua Marquês de Abrantes, 99 - Flamengo) no decorrer do seminário a se realizar no auditório: dia 21 de novembro das 18h às 18h45, conferência "Alma da África" e, das 19h às 19h45, conferência "Um rio chamado Atlântico", de Alberto da Costa e Silva.
Estava nos meus 15 anos. Parecia, porém, ainda mais novo, porque era franzino e frágil. Sabia de cor a metade dos versos de Bandeira, que tinha então 60 anos, mas parecia também mais jovem - um quarentão que os cuidados impostos pela tuberculose conservaram desde a adolescência.
Quem tenha lido Aventura e rotina recordará o deslumbramento com que Gilberto Freyre viveu os poucos dias que passou na Ilha de Moçambique. Ali sentiu-se atordoado pela profusão de cores, ruídos, trajes e culturas em combinação e conflito. Entonteceram-no sobretudo as mulheres, nas quais, diz ele, a mestiçagem alcançava ''vitórias esquisitas de beleza e graça nas formas, nas cores, no sorriso, na voz e no ritmo do andar''.
Converso com minha amiga Nélida Piñon e confesso que tenho vontade de escrever um artigo sobre o nosso patrimônio imaterial. Dando como exemplo, lembro a importância do samba para a cultura brasileira. Ela argumenta que viu no Marrocos uma praça inesquecível, toda ela povoada por bens imateriais, como faquires, lambedores de fogo, palhaços, dentistas - uma soma incrível de pessoas fora do comum que dão o tom da imaterialidade àquele local abençoado pela Unesco. O poeta Alberto da Costa e Silva confirma que conhece o local.
Não costumo - nem gosto - de escrever sobre livros neste canto de página. Mas não posso deixar sem registro dois dos mais recentes trabalhos de Alberto da Costa e Silva. Durante anos, em que ele como diplomata de carreira morava fora do Brasil, só o conhecia pela sua poesia, sendo ele filho de outro poeta.
O meu antepassado que vivia no Maranhão, na metade do século 18, não ignorava que podia servir a seu rei em Salvador, Marvão, Luanda, Macau ou Goa. Sabia-se parte de uma comunidade que ultrapassava o que tinha por horizonte. Já nós, nos dias de hoje, mostramo-nos distraídos para o fato de ter sido o Brasil parte de um império, o que fazia com que nossas fronteiras não ficassem em nosso continente nem parassem no nosso litoral: iam, ao norte, até os Açores e o rio Minho, e a leste, até Macau.
O meu antepassado que vivia no Maranhão, na metade do século 18, não ignorava que podia servir a seu rei em Salvador, Marvão, Luanda, Macau ou Goa. Sabia-se parte de uma comunidade que ultrapassava o que tinha por horizonte. Já nós, nos dias de hoje, mostramo-nos distraídos para o fato de ter sido o Brasil parte de um império, o que fazia com que nossas fronteiras não ficassem em nosso continente nem parassem no nosso litoral: iam, ao norte, até os Açores e o rio Minho, e a leste, até Macau.
Não é mais possível que se entenda e avalie a realidade da escravidão africana no mundo e no Brasil sem o extraordinário levantamento feito por Alberto da Costa e Silva no seu livro de mais de mil páginas, "A manilha e o libambo: a África e a escravidão, de 1500 a 1700". Antes havia ele estudado, em "A enxada e a lança", a mesma África no período que foi até a chegada dos portugueses ao continente negro.
RIO DE JANEIRO - Amanhã é Dia da Pátria. Tudo bem, todo mundo merece ter uma pátria e, por bem ou por mal, todos os dias são dela. Mas já tivemos aqui no Brasil o Dia da Raça, uma estupidez bolada pelo Estado Novo, pelos intelectuais da situação que o explicavam, não por Vargas, que no fundo detestava dar ou receber explicações. A propósito do que poderia ser a raça brasileira, aprendi com o embaixador e acadêmico Alberto da Costa e Silva que no submundo dos falsários internacionais o passaporte brasileiro é o mais valorizado, custa cinco vezes mais do que o passaporte holandês ou o japonês. Motivo: qualquer foto de qualquer um pode ser colocada no lugar da foto original, louro, albino, pardo, negro, amarelo, dolicocéfalo ou não, indivíduos de qualquer raça podem passar por brasileiros e vice-versa, nossa raça é como a Casa do Pai de que Cristo falava: tem muitas moradas.
Psicólogos de diversos tamanhos e feitios garantem que cada um tende a admirar pessoas e coisas diferentes de nós e das nossas. Acho que não é verdade, mas sempre admirei o finado senador e acadêmico Darcy Ribeiro na sua capacidade de perceber o cheiro das mulheres da Namíbia, lá do outro lado do Atlântico, que o meu amigo Alberto da Costa e Silva chama de rio a separar dois continentes.
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