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Apresentação

 

Nascemos em 1897. Precisamente no dia 20 de julho, à sombra de tênue inverno carioca. Um ano que recolhia os escombros da Monarquia, enquanto aguardava o futuro de uma República apenas instaurada.

Raros momentos aqueles que presidiram à inauguração da Academia Brasileira de Letras. Quando muitos buscavam assegurar a hegemonia nacional, a despeito do embate ideológico que se dava entre duas espécies de Pátria.

De um lado, o Brasil do litoral, do encilhamento, da zona urbana, egressa de raízes rurais, em busca da consolidação da língua e da inefável ilusão da arte. Do outro, o Brasil profundo, sobrecarregado de mitos, de crenças e distúrbios religiosos, ensejando o mister da arte, o fogo inflamado do debate. Tudo a reclamar mudanças, alterações que não afetassem, contudo os estatutos vigentes.

Em meio a esse dilema, que removia a sociedade do seu falso centro de equilíbrio, surgem alguns jovens. Dispostos a unir às palavras o gosto da ação, a encetar a inexcedível convocação da consciência nacional.

Quem eram eles? A quem devemos esta esplêndida aventura do espírito e da nacionalidade, da qual, resultou a fundação da Academia Brasileira de Letras? Moços e sonhadores, eles eram pobres e progressistas. Escritores desconcertantes, usuários da magia da língua, confirmavam na pujança da palavra para quebrar as amarras do provincianismo então corrente, cuja resistente ossatura, impedia voos inaugurais.

Nesta quadra da história brasileira, esses moços acreditam na língua como promotora de um cosmopolitismo que se conciliava com a audácia estética e as reformas políticas e sociais. Sem temerem a medida do próprio sonho, mola propulsora que avança até nossos dias, foram buscar em Machado de Assis, gênio da raça brasileira, e Joaquim Nabuco, aristocrata do espírito e herói da Abolição, o respaldo intelectual que lês faltava. A eles e a outros de igual estirpe, o vento de Éolo, a soprar, iria conduzir, céleres, à ilha da invenção, ao sonho possível.

Despertaram eles, em homens como Machado e Nabuco, a certeza de estar o Brasil desse final do século XIX pronto para o espetáculo da arte, para a quimera da reflexão, para convívio das academias, cujo destino de confraternização tantos buscaram, quem sabe mesmo desde os tempos homéricos dos aedos, esses enigmáticos poetas da memória.

Uma Academia que, a partir de sua formação, naquele ano, e até os nossos dias, deixou transparecer, em diversas instâncias, seu vigoroso propósito de devotar-se à intransigente defesa da língua portuguesa, à unidade literária do Brasil

Vista à distância, é-nos grato saber que a Academia Brasileira de Letras começou assim sonhadora, juvenil e poética. Sem uma casa sequer para instalar-se. Um pouso onde deitar raízes e esperança! E da qual, nestes cem anos de existência, não se ausentáramos elevados princípios que lhe nortearam o longo cotidiano. Sempre empenhada em ter ao seu alcance a língua lusa, firme matéria do sagrado e do profano.

Tal fidelidade permite-nos recapitular a história da Academia à luz do seu Centenário. Para situarmo-nos sob a égide de um sentimento prospectivo, documental, com o qual restaurar, com exemplar reverência, sua trajetória pública e privada. Em tal empenho memorialístico insurgindo-se contra o esquecimento que persegue a vida dos homens, reagindo às imolações que se abatem sobre a consciência histórica. Graças ao qual narramos, em uníssono, o percurso desta instituição. Levados pela convicção de ser esta Casa parte essencial do imaginário nacional, que se reforça através de seus 40 patronos, 212 acadêmicos, e sócios correspondentes que por aqui têm passado. Uma legião entregue à salvaguarda da arte, do pensamento, de um humanismo, embora ameaçado, sempre regenerado.

Desde o nascedouro, a Academia Brasileira de Letras participou dos instantes construtivos da história brasileira. O país deu-nos, então, guarida na fundada esperança de virmos a ser intérpretes da realidade que então nos modelava. De modo que o substrato indecifrável, revestido de arte e de mistérios que há séculos nos forja, cruzasse, para ficar, os umbrais desta Casa. E que esta psiquê brasileira, alojada entre nós sob o candente e moderno primado da memória, atualizasse e redefinisse quem somos nós.

Este anseio pela memória libera a Academia Brasileira de Letras a transitar com igual desenvoltura pelo passado e a bater insistente à porta do futuro. Um porvir e um tempo pretérito que repousam no professado apreço à tradição, nascida à margem de benfazejas rupturas do caos que regenera e instaura modelos civilizatórios.

Há cem anos temos sido hóspedes ativos da memória do Brasil. Sob a guarda de inestimável, repertório daqueles que processaram arte, vida, reflexão e aqui fizeram o logradouro de suas luminosas inteligências. Um legado que nos credencia, neste Centenário, a apresentar ao Brasil uma narrativa que ganha hoje, para honra nossa, o formato de livro.

Este livro, que ora apresentamos, recolhe em suas páginas os cenários e os protagonistas que legitimaram a existência mesma deste Centenário. Enquanto procura contar, com sentida e nostálgica emoção, a força de uma história que eleva a própria história do Brasil.

Neste Academia Brasileira de Letras – 100 anos celebramos os próceres da pátria, os heróis da língua, os inventores do futuro. Sobretudo comemoramos uma Academia Brasileira de Letras, cujo enredo resiste a ser esgotado mesmo em um belo e instigante objeto de arte.

Nélida Piñon
Presidente da Academia Brasileira de Letras no I Centenário

 

 

 

 

 

 

 

 

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