
Encontro à maneira de Proust
[2]No meio da multidão, não parecia ela. E, por um instante, duvidou que fosse: tanto lugar para se meter e ela ia escolher justamente aquele canto, onde, na certa, se encontrariam.
No meio da multidão, não parecia ela. E, por um instante, duvidou que fosse: tanto lugar para se meter e ela ia escolher justamente aquele canto, onde, na certa, se encontrariam.
O futuro alinhamento eleitoral não vai apenas, no voto-opção, ao confronto entre o governo e o tucanato. Encarna as fraturas de repúdio a Lula, nascidas da extrema esquerda brasileira. Paga aí o Planalto, num paradoxo, o preço da sua política de vigências políticas e de manutenção, necessária, das maiorias para o avanço do programa de mudança. E tal para vencer o enfraquecimento do PT e das garantias de que permaneceria o roldão político da vitória de 2002 e a legenda originalmente responsável por esse resultado. O que vemos é a ruptura entre o consenso da militância e as dúvidas que começam a levantar uma intelligentsia do partido no seu seio. Esta se expõe aos radicalismos inevitáveis de uma insatisfação com o teor das mudanças, conforme um ideário rigoroso de esquerda. Acredita num modelo de superação do capitalismo, sem, entretanto, a visão global do processo histórico de agora e, sobretudo, da amplitude real das contradições da crise internacional dos nossos dias.
Mais uma vez se discute a lei da anistia, com posições antagônicas que chegam a ameaçar uma minicrise entre o governo e os comandantes militares. Os argumentos são os mesmos: a anistia foi para os dois lados, mas crimes de morte e tortura não estão incluídos entre os desmandos políticos de 1964 a 1985.
Se 2008 e 2009 foram os anos dos Centenários das mortes de Machado e de Euclides, o ano de 2010 está sendo o do centenário da morte de Nabuco. Eles foram três membros efetivos da Academia Brasileira de Letras, que justamente por isto tanto se tem empenhado em homenageá-los.
A vocação cívica aqui de Itaparica é sobejamente conhecida de todos, mas está sempre surpreendendo por sua intensidade. À primeira vista, o viajante nada perceberá, na névoa da madrugada que encobre delicadamente a Rua Direita ainda deserta, as pedras umedecidas do chuvisco que regou as plantas antes do amanhecer, o silêncio só quebrado pela algazarra da passarada. Talvez um jeguinho em seu passeio matinal antes de pegar no batente, talvez alguém indo assistir ao nascer do sol em cima do cais, tudo quieto e sossegado, como deve ser a venerável vila onde a história do Brasil começou.
Acompanho com algum interesse a crise aberta dentro do governo a respeito da Lei da Anistia. As posições estão definidas, o único indefinido até agora é o presidente da República. Nos tempos do velho PT, embora com poder decisório, ele mantinha suas hesitações para ganhar tempo e manter o partido em rédeas curtas.
No rastro do grande sucesso da minissérie “Dalva e Herivelto, uma canção de amor”, da Rede Globo, muito bem escrita por Walcyr Carrasco, cabe registrar a participação, nas crises que marcaram a vida do casal, de um sambista que marcou época no país. Trata-se de Ataulfo Alves, que no ano passado teve o centenário de nascimento lembrado, inclusive com o lançamento do livro "Ataulfo Alves - Vida e Obra", de Sérgio Cabral.
Participei com a doutora Zilda Arns Neumann, que era médica, em atividades da área de saúde pública; mais recentemente, integramos, junto com os doutores Adib Jatene, Cesar Victora e Paulo Buss, entre outros, a Comissão Nacional dos Determinantes Sociais em Saúde, que elaborou um diagnóstico sobre a situação de saúde do Brasil. Formada em Medicina, a catarinense Zilda Arns trabalhou como pediatra e sanitarista. Não era, no entanto, o caráter técnico de sua atividade que impressionava, e fascinava, os que a conheciam. Era, sim, a extrema generosidade que demonstrou na coordenação da Pastoral da Criança, órgão da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (a propósito, era irmã de dom Paulo Evaristo Arns, cardeal arcebispo emérito de São Paulo). Mais de 150 mil voluntários colaboraram com a Pastoral em 30 mil comunidades paupérrimas. Por seu trabalho, Zilda Arns foi indicada, durante três anos seguidos, ao Prêmio Nobel da Paz. Ela representava, melhor do que ninguém, aquilo que, desde tempos remotos, tem sido um característico essencial da atividade médica: a compaixão, o desejo de ajudar os outros. A medicina é hoje uma profissão em grande parte regida pela tecnologia, o que é compreensível, pois as novas tecnologias, aplicadas ao diagnóstico e ao tratamento, salvam vidas sem conta. Mas, ao fim e ao cabo, a prática médica, aí incluída a prática de saúde pública, expressa-se numa relação entre seres humanos, e a compaixão (que não significa ter pena, mas sim refere-se àquela empatia essencial para compreender o sofrimento alheio) é aí um elemento essencial. Foi a compaixão que levou a doutora Zilda ao Haiti, onde veio a falecer.
A União Europeia já decidiu, e alguns aeroportos, como o de Amsterdã, já instalaram os seus scanners antiterror, que, no frigir dos ovos, são o big brother mais potente que se podia imaginar, pois podem tirar a roupa de todo mundo, num mundo que já não tem muita roupa. Tudo surgiu quando um terrorista nigeriano burlou todas as formas de vigilância e quase explodiu um avião da Northwest Airlines que voava para Detroit na noite de Natal. A solução foi obrigar todos os passageiros no futuro a passar por scanners, que, se têm a vantagem de evitar essa apalpação a que nos submetem os vigilantes aeroportuários, nos despem logo.A grande discussão que hoje preocupa a liberdade individual é como manter os direitos de privacidade num mundo em que a tecnologia tudo invade e torna esses direitos inexistentes, acabando com os direitos humanos.
Granada, 2 de janeiro de 2010. Primeira surpresa para um brasileiro ao tomar o café da manhã no hotel: o jornal andaluz “Ideal” traz em manchete de primeira página que a alQaeda prega mais uma vez a retomada de Al Andalus (a Andaluzia) pelos árabes. A notícia parece maluquice.
Como muitos, tive meu cartão de crédito clonado. Felizmente, o Banco do Brasil foi rápido em detectar o problema e em adotar as providências (obrigado, gerente Marisa Giareta), e assim o aborrecimento durou pouco. Mas quando recebi o extrato com as despesas feitas por Mr. Clone fiquei impressionado.
Existe um tipo peculiar de ruga, conhecido desde a antiguidade como o “ômega melancólico”. Fica no meio da testa e tem a forma da letra grega ômega. É uma evidência da melancolia, aquela tristeza filosófica que no passado caracterizava os espíritos superiores (hoje, falamos de depressão, que não é a mesma coisa). É muito curioso que a ruga faça alusão a uma letra e que é, a propósito, a última do alfabeto grego. Porque podemos dizer que as rugas são, em parte, a vida escrita na nossa face. ***
Nesta época do ano, Porto Alegre, à semelhança do que acontece com muitas cidades brasileiras, se esvazia: vai todo o mundo para a praia. Só ficam os autoproclamados membros da Sapa, Sociedade dos Amigos de Porto Alegre, êmula das sociedades existentes nas praias do litoral gaúcho: a Sociedade dos Amigos de Tramandaí, a Sociedade dos Amigos de Torres, e assim por diante. Os afiliados da Sapa podem contar com um trânsito ameno, com restaurantes nunca lotados, com ausência de filas nos cinemas (mas, em compensação, precisam enfrentar um calor infernal. Nem tudo é perfeito).
Como era de esperar, o Programa Nacional de Direitos Humanos está provocando controvérsias. As questões envolvidas são delicadas, para dizer o mínimo; às vezes, mobilizam antigos ressentimentos e têm inegável conotação emocional. Por outro lado, controvérsia é uma coisa boa, e faz parte do debate democrático. Pior ocorre quando a controvérsia é suspensa, sobretudo pela força. Uma experiência pela qual o país passou e que quer, com toda a razão, evitar.
Não se trata de exercício de adivinhação. Nem de data aleatória. Penso no Brasil das Olimpíadas de 2016, ou seja, daqui a facilmente previsíveis seis ou sete anos. Por exemplo: ainda teremos 14 milhões de analfabetos puros? O vestibular ficará na saudade? E os salários dos professores estarão próximos de uma remuneração decente?
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