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A paz seja conosco

 

O otimismo em relação às UPPs já foi maior, mas ainda existe, embora seja abalado cada vez que há um episódio como morte recente de jovem no Morro da Providência

Não é só um problema do Rio. Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública para 2014, a cada meia hora uma pessoa foi assassinada nas capitais do país. Mas a nossa posição no ranking nacional de violência é humilhante, principalmente se comparada à de São Paulo, que apresenta 11,4 assassinatos por 100 mil habitantes, enquanto o nosso índice chega a 20,2 homicídios. O pior desempenho é o de Fortaleza, com 71,3.

De acordo com a diretora do Fórum, Samira Bueno, o Rio tem a seu favor “bons exemplos” recentes na área de segurança. “As UPPS deram a sensação de que é possível reverter o quadro de violência”. A questão é saber se é possível reduzir a criminalidade só com a ação da polícia, sem o acompanhamento de políticas sociais.

O otimismo em relação às UPPs já foi maior, mas ainda existe, embora seja abalado cada vez que acontece um episódio como o desaparecimento de Amarildo ou como a morte recente de um jovem de 17 anos no Morro da Providência. Outra pesquisa, essa do Instituto de Segurança Pública do Rio (ISP), concluiu que 2015 já registrou aumento de 80% de mortes causadas por policiais, o que significa que, a cada dia, duas pessoas são vítimas desses chamados “autos de resistência”.

Esta semana, dois crimes mostraram a dupla face dessa guerra urbana: Além da execução por PMs de Eduardo Felipe, o rapaz de 17 anos, houve a do soldado da PM Caio César, de 27 anos, por traficantes. Ele era um dublador de sucesso e um policial exemplar. O primeiro era um adolescente com passagens pela polícia e envolvimento com o tráfico.

O vídeo da morte do rapaz feito por dois moradores da comunidade, um homem e uma mulher, produzindo o flagrante da ação de cinco PMs, chocou pelas imagens e pelo áudio, com o espanto e os comentários dos que filmaram a cena. Colocar um revólver em sua mão e disparar para simular confronto — ele já baleado, estendido no chão — não deve ter sido uma farsa improvisada, provavelmente foi encenada outras vezes. “Minha perna está tremendo, é a primeira vez que vejo alguém morrer”, diz o homem.

Em outro momento, a mulher repete baixo para não ser ouvida: “assassinos, assassinos”. O governador Pezão classificou o episódio de “abominável”, os militares foram presos e devem ser expulsos, mas a população quer mais do que isso, quer que esses desvios não se repitam. Eduardo devia ser apreendido e julgado, mas nunca executado sumariamente por policiais, a exemplo do que os bandidos fazem.

No seu enterro, as pessoas exigiam justiça, menos o pai do menino que, apesar da dor, não propôs vingança nem mesmo punição: “Eu quero enterrar meu filho em paz. Não quero mais nada”. O Rio também anseia por paz.

O Globo, 03/10/2015