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Localizando o mau cheiro

 

Jarbas Vasconcelos não entende como pode oposição confiar em Cunha, que mente sobre contas na Suíça, já confirmadas pela Procuradoria

Tantas concessões, tanta entrega, tanto toma lá dá cá, tanta nomeação infeliz, terá valido a pena para a presidente a tal reforma ministerial? Parece que o próprio Planalto estaria reconhecendo que não, diante de uma semana de dificuldades e derrotas. O TCU recomendou a rejeição das contas de 2014 do governo, o TSE reabriu investigação sobre a campanha de Dilma e Temer, e o governo não conseguiu quorum no Congresso para os vetos presidenciais. Assim, a crise prossegue num estilo de telenovela, com a diretora-protagonista se complicando a cada capítulo e, sem saber o que fazer, dando razão à grosseria de Delfim Netto, que disse ser ela “simplesmente uma trapalhona”, como se ele não tivesse feito também suas trapalhadas quando ministro dos militares. Mas, enfim, este é o país da amnésia crônica. Voltando ao espetáculo, anteontem, ela reuniu todo o elenco para cobrar fidelidade dos aliados no Congresso e para denunciar que está em curso no país um “golpe democrático à paraguaia”.

O personagem mais intrigante desse folhetim é aquele que seu correligionário do PMDB Jarbas Vasconcelos chama de “doente, psicopata, um cínico”: é o presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Em entrevista a Josias de Souza, o deputado pernambucano se diz “estarrecido” com a aliança firmada pela oposição com Cunha para facilitar o processo de impeachment. Ele não entende “como confiar numa pessoa que mente sobre contas bancárias na Suíça, já confirmadas pela Procuradoria”. De fato, documentos do Ministério Público suíço não deixam dúvidas: as quatro contas do banco Julius Baer têm o nome e o endereço de Cunha na Barra da Tijuca, sendo que duas foram fechadas um mês depois do início da Lava-Jato. Nas duas que continuaram ativas, as autoridades bloquearam US$ 2,5 milhões.

Enquanto isso, Eduardo Cunha continua negando ter dinheiro depositado no exterior ou se recusando a falar sobre o assunto, sem explicar as coincidências que envolvem seu nome. Ao contrário do PSDB, cujo líder Carlos Sampaio alegou o “benefício da dúvida” para não agir contra Cunha, o PSOL não teve dúvida em anunciar que pedirá ao Conselho de Ética abertura de processo de cassação do presidente da Câmara. Mas Jarbas Vasconcelos acredita que Cunha só correrá riscos se a reação contra ele adquirir consistência e força. “Ou essa coisa se avoluma, ganhando a forma de um movimento sério e contundente, ou o problema vai se arrastar”. E, para descrever a situação moral da Casa presidida por Cunha, ele não usa eufemismos: “Hoje, a Câmara fede. Daqui a pouco, vai apodrecer.”

O Globo, 10/10/2015