feminicida adj.2g. s.m. (violência feminicida)
Delito de homicídio praticado contra mulher decorrente de violência doméstica ou familiar e/ou por motivo de menosprezo ou discriminação de gênero.
“A definição do termo [femicide] só veio nos anos 1990, com [Jane] Caputi e [Diana] Russell (1992). Elas o definiram como sendo o assassinato de mulheres especificamente por homens motivados por ódio, desprezo, prazer ou por um sentimento de propriedade. Trata-se de um continuum de violência que estabelece uma conexão com as mais variadas formas de agressão, tais como estupro, incesto, abuso físico e emocional, assédio, pornografia, exploração sexual, esterilização, maternidade à força, dentre muitas outras. Se algumas delas resultar em morte, tem-se o femicide. Este, por sua vez, foi traduzido em países de língua hispânica como femicídio, mas não dava conta, segundo [Luciana] Gebrim e [Paulo César] Borges (2014), de toda a complexidade e gravidade dos delitos. [Marcela] Lagarde (2006) então cunhou o termo feminicídio que passou, também no Brasil, a denominar esse tipo de crime. Ambos os termos, femicídio e feminicídio, circulam pelos países de língua latina. O segundo, entretanto, teria uma maior escala de atuação porque, segundo Lagarde (2006), destacaria não só a motivação baseada em gênero e na misoginia, mas também incluiria a ausência de políticas do Estado contra a morte de mulheres provocadas por homens em situação de poder sexual, jurídico, social, econômico, político e ideológico. (...) Por conta disso, alguns países da América Latina, a partir de 2006, passaram a tipificar o crime de femicídio/feminicídio em suas legislações. O Brasil só viria a fazer o mesmo em 2015.”1
“Dubravka Simonovic emitiu comunicado apoiado por dezenas de especialistas em direitos humanos propondo a criação de observatórios e sistemas de vigilância para prevenir assassinatos; segundo ela, a Covid-19 está ofuscando a crise da violência a meninas e mulheres. A relatora especial sobre violência a mulheres, suas causas e consequências pediu uma ação global urgente para erradicar o que ela chamou de ‘pandemia do feminicídio e da violência a mulheres’. Em comunicado, apoiado por outros 40 especialistas em direitos humanos, Dubravka Simonovic pediu a todos os países e interessados em todo o globo que tomem ações urgentes para prevenir o assassinato de mulheres e a violência de gênero.”2
“A nova legislação alterou o Código Penal (Decreto-Lei 2.848/40) e estabeleceu o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio. Também modificou a Lei de Crimes Hediondos (Lei 8.072/90), para incluir o feminicídio na lista. Com isso, o crime de homicídio simples tem pena de seis meses a 20 anos de prisão, e o de feminicídio, um homicídio qualificado, de 12 a 30 anos de prisão.”3
“É importante esclarecer que a Lei do Feminicídio não enquadra, indiscriminadamente, qualquer assassinato de mulheres como um ato de feminicídio. A lei prevê algumas situações para que seja aplicada: Violência doméstica ou familiar: quando o crime resulta da violência doméstica ou é praticado junto a ela, ou seja, quando o autor do crime é um familiar da vítima ou já manteve algum tipo de laço afetivo com ela; Menosprezo ou discriminação contra a condição da mulher: ou seja, quando o crime resulta da discriminação de gênero, manifestada pela misoginia e pela objetificação da mulher, sendo o autor conhecido ou não da vítima.”4
“O Brasil ocupa hoje a 5ª posição no ranking mundial em feminicídio, assassinato de uma mulher pela condição de ser mulher, segundo dados do Mapa da Violência 2015 – ONU. No estado do Rio de Janeiro, as mulheres são vítimas em 70% dos atendimentos notificados como agressões físicas nas redes de saúde, em dados extraídos entre janeiro de 2013 e junho de 2016. Os crimes de lesão corporal lideram os números de ações penais mais distribuídas no PJERJ há cinco anos, segundo o Relatório de Dados Compilados que analisa os processos decorrentes de violência doméstica no PJERJ. O agressor é conhecido ou parente das vítimas em 64,2% das notificações e a residência da vítima é onde ocorrem 52,7% dos casos.”5
“A morte de Viviane, que era juíza há 15 anos e trabalhava na 24ª Vara Cível da Capital, teve grande repercussão em todo o país. O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Luiz Fux, disse que as duas instituições estão consternadas e comprometidas com o desenvolvimento de ações para prevenir e erradicar o feminicídio. ‘Tal forma brutal de violência assola mulheres de todas as faixas etárias, níveis e classes sociais, uma triste realidade que precisa ser enfrentada’, afirmou, em nota. Outro integrante da Corte, o ministro Gilmar Mendes, comentou pelo Twitter que o assassinato ‘mostra que o feminicídio é endêmico no país: não conhece limites de idade, cor ou classe econômica’ e destacou que o combate à violência contra a mulher deve ser prioritário.”6
“Em tal situação a pena pode chegar a 30 anos de prisão. (...) Como se observa, ausência de quantidade elevada de pena não existe no caso de feminicídio, mas infelizmente o crime aconteceu inobstante o rigor da norma. Ocorreu com a Viviane juíza e continua ocorrendo com as Vivianes caixas de supermercado, faxineiras, engenheiras, médicas, advogadas, funcionárias públicas, donas de casa, desempregadas etc. Só no ano de 2019 foram 1.326 delas. Mas por quê?”7
“A historiadora Lilia Schwarcz lembra que vivemos em uma sociedade absolutamente patriarcal, desde a época da colonização, em que os ‘homens se acham donos dos corpos das mulheres e detestam reconhecer a autonomia das mesmas’. Segundo o Instituto Vladimir Herzog, em pesquisa realizada em 2017, 39% das mulheres brasileiras já sofreram algum tipo de preconceito na escola ou faculdade relacionado ao gênero. Em pleno século 21, esse número é altíssimo e inaceitável. Mas é justamente nesse ambiente escolar que pode estar a chave para que se encete a mudança desse quadro. Isso não acontecerá da noite para o dia, mas é urgente que se inicie. Somente através da educação é que os meninos de hoje não se transformarão nos homens de amanhã que irão dizer ‘não aceitar o final do relacionamento’ pelo simples fato de se acharem superiores, não sabendo lidar com a rejeição, principalmente se vinda de uma mulher. O enfrentamento ao feminicídio requer, além da forma legal, uma profunda análise estrutural.”8
FERNANDES, Valéria Diez Scarance. Feminicídio: uma carta marcada pelo gênero. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Penal. Christiano Jorge Santos (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/437/edicao-1/feminicidio:-.... Acesso em: 6 jan. 2021.
FEMINICIDIO. In: REAL ACADEMIA ESPAÑOLA. Diccionario de la lengua española. Edición del Tricentenario. Actualización 2020. Disponível em: https://dle.rae.es/feminicidio. Acesso em: 6 jan. 2021.
FEMMINICIDIO. In: ISTITUTO TRECCANI. Enciclopedia italiana – IX Appendice (2015). Disponível em: https://www.treccani.it/enciclopedia/femminicidio_res-49388c97-2723-11e6.... Acesso em: 6 jan. 2021.
1 SOUZA, Suzanny Mara Jobim de. O feminicídio e a legislação brasileira. Revista Katálysis, vol. 21, n. 3, Florianópolis, set./dez. 2018. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1982-02592018v21n3p534. Acesso em: 3 jan. 2021.
2 ONU – Organização das Nações Unidas. Relatora da ONU defende ação urgente para erradicar ‘pandemia’ de feminicídio. ONU News, 23 nov. 2020. Mulheres. Disponível em: https://news.un.org/pt/story/2020/11/1733822. Acesso em: 3 jan. 2021.
3 AGÊNCIA CÂMARA DE NOTÍCIAS. Lei do feminicídio faz cinco anos. Portal Câmara dos Deputados, 9 mar. 2020. Direitos Humanos. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/643729-lei-do-feminicidio-faz-cinco-a.... Acesso em: 3 jan. 2021.
4 MANSUIDO, Mariane. Entenda o que é feminicídio e a lei que tipifica esse crime. Câmara Municipal de São Paulo, CPI da Mulher, 10 ago. 2020. Disponível em: https://www.saopaulo.sp.leg.br/mulheres/entenda-o-que-e-feminicidio-e-a-.... Acesso em: 6 jan. 2021.
5 PJERJ – Poder Judiciário Estado do Rio de Janeiro. O que é a violência doméstica? E o feminicídio? Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Observatório Judicial da Violência contra a Mulher. Disponível em: http://www.tjrj.jus.br/web/guest/observatorio-judicial-violencia-mulher/.... Acesso em: 6 jan. 2021.
6 ARAÚJO, Vera; SERRA, Paolla; SOUZA, Rafael Nascimento de; GRINBERG, Felipe; LEAL, Arthur. ‘Tentava preservar a imagem do ex-marido como pai’, revela amiga de juíza vítima de feminicídio. O Globo, 27 dez. 2020. Disponível em: https://oglobo.globo.com/rio/tentava-preservar-imagem-do-ex-marido-como-.... Acesso em: 3 jan. 2021.
7 ARGACHOFF, Mauro. Feminicídio: quando a lei não é o bastante. Revista Consultor Jurídico, 3 jan. 2021. Opinião. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-jan-03/mauro-argachoff-feminicidio-quando.... Acesso em: 3 jan. 2021.
8 Idem, ibidem.