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Tristeza e alegria

 

Em 1909, Nabuco escrevia essas palavras que recordo aqui no impulso pela meditação:


"Mas como traduzir um sentimento que, em língua alguma, a não ser na nossa, se cristalizou numa única palavra? Consideramos e proclamamos esse vocábulo o mais lindo que existe em qualquer idioma, a pérola da linguagem humana. Ele exprime as lembranças tristes da vida, mas também suas esperanças imperecíveis. Os túmulos trazem-no gravado como inscrição: saudade. A mensagem dos amantes entre eles é saudade. Saudade é a mensagem dos ausentes à pátria e aos amigos. Saudade, como vedes, é a hera do coração, presa às suas ruínas e crescendo na própria solidão".


É dessa hera do coração, vegetal do sentimento, calada eternamente, a um só tempo luz e sombra, de que se cuida agora.


A morte nos ensina a incompletude, a solidão, a fragilidade, a finitude, o relativo, o transitório. Ela sempre nos leva a que reduzamos expectativas, como nos ensina Roberto da Matta ao sustentar - coberto de razão - que existe um sentido de humildade no choro e na oração. E acrescenta: o verbo é feito de sorriso e lágrima, de saudade e presença.


Marcantonio ganhou, ao partir, a imortalidade. O que foi amado pela memória torna-se eterno.


A cada gesto dos leais, recordando-o, mesmo no enfrentamento bandeireano dos sortilégios da noite, a alma dos pais e dos irmãos se curva para agradecer.


Marcantonio, eu já disse, escuta a música infinita do silêncio e visita as galerias do céu, incessantemente, em busca da beleza. A beleza é uma necessidade, um princípio de educação e, de um jeito ou de outro, é também princípio de alegria.


Não creio, como alguns dizem, que viver para a arte é um pouco morrer para a vida. Não morre quem se dedica a tão nobre ofício.


Ocorre é que o coração sempre diz menos quando tem muito a falar. Viver para a arte é continuar, é não interromper, é descobrir o novo, é não esquecer o velho, é unir tempos, cultivar olhares.


Guimarães Rosa ensinou que a tristeza é aboio para chamar o demônio. Tristeza não conjumina com a arte, que é princípio de alegria.


É preciso não contemporizar com a tristeza. É preciso espancar a tristeza.


Marcantonio nasceu num trinta de agosto. Dizia que tinha gosto nisto. Brincava em sintonizar a gosto com agosto. Repetia frase que a mãe usa muito, aquela de que gosta de gostar. Por isso, só fez o de que gostava. Gostava de frevo, do Galo da Madrugada, de bolo de rolo, de boas grifes, de champagne, de viajar, de agulha frita, de rede, das manhãs de domingo, da leitura escolhida, de Nara Leão, de Capiba, de Gilberto Freyre, de Manoel Bandeira, de Teté - a sua babá. Gostava de vidros do tipo lalique, de marquesão de jacarandá, dos artistas que promoveu com suor e inteligência pelo mundo inteiro, gostava de Olinda, do Recife, do Rio, de Nova York, de Paris. Gostava de tanta coisa. Tinha horror à mediocridade e à deslealdade. Horror aos hipócritas.


Gostava de gostar. Gostava muitíssimo da sobrinha Ilanna e gostava, acima de tudo, de sua mãe. Ligou-se a Carmo para usufruir desse convívio cada gota de tempo, como se soubesse que breve era a sua passagem.


Deus não quis que fosse vivente de longa vida. Tudo bem, faça-se a Sua vontade. Mas, Marcantonio, peça a Deus por mim que devo viver pela sua mãe, pelos seus irmãos e amigos. Mas, sorria sempre, mesmo que seja no canto da boca que não esconde o jeito irônico de quase sempre. Sorria, sempre. Do choro, cuidamos nós, os seus pais.


Quem tem toda razão é a nossa conterrânea Celina Holanda, sentenciando em versos:


"Não se morre entre aqueles


Que nos querem vivos".


Jornal do Commercio (PE) 30/08/2008