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O peso das palavras

 

A dificuldade que a esquerda tem, no mundo inteiro, não apenas no Brasil, de chamar as coisas pelo verdadeiro nome só faz reforçar um estereótipo de que a direita se aproveita. Tanto a direita quanto a esquerda, especialmente no Brasil, têm facilidade de acusar o contrário, com palavras duras e diretas que muitas vezes beiram a irresponsabilidade. Mas, quando alguma coisa acontece no seu arraial, ambos os grupos desconhecem o que os afeta e atacam o que consideram inimigo.

No momento, é inócuo lembrar os desmandos que o governo Netanyahu comete como consequência de acatar na sua coalizão partidos de extrema direita fundamentalmente contra um Estado Palestino. O fato que se sobrepõe aos demais é que o Hamas praticou atos terroristas brutais contra cidadãos israelenses, que devem ser repudiados por todos os governos democráticos do mundo. Não é preciso proteger terroristas para ser a favor de um Estado Palestino.

A tática de capturar civis como reféns para usá-los como escudos humanos ou moeda de troca já é por si uma aberração. Ameaçar matar um a um a cada ataque de Israel é um crime de guerra. Não citar o nome do Hamas em notas ou declarações oficiais é tentativa perversa politicamente de esconder os autores dos atentados, como se isso fosse possível.

Mesmo criticando ou até condenando as ações, não as atribuir ao Hamas, ou não as chamar de terrorismo, tenta retirar da mesa de discussão um dos principais empecilhos para uma solução da crise palestina. A desculpa não oficial de que o governo brasileiro não cita o Hamas para não prestigiar grupos extremistas chega a ser ridícula. Documentos oficiais que não sejam diretos, em situações como essa, só revelam a fragilidade das autoridades que os assinam, do Estado que representam.

O governo brasileiro condena ataques a civis, mas em nenhum momento classifica os atos como terrorismo. Lula consertou no X, antigo Twitter, mas as manifestações oficiais não usam a palavra. Não se exige, o que seria o ideal, que o governo considere o Hamas como organização terrorista oficialmente, como fazem os Estados Unidos. Vários países não consideram ainda. Mas os ataques são ações terroristas, sem nenhuma dúvida.

O presidente do Grupo Parlamentar Brasil-Israel, senador bolsonarista Carlos Viana, aproveitou-se dessa dubiedade do governo para uma ação política: quer propor a convocação do ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, e do assessor especial da Presidência, Celso Amorim, para que expliquem “por que o governo Lula optou por não condenar abertamente o Hamas pelos ataques realizados no último sábado, 7”. O parlamentar acusa o Itamaraty de ter sido omisso em relação ao grupo radical.

A atitude dos partidos de esquerda acordou a direita extremista, que estava num corner, acuada pelas acusações ligadas à tentativa de dar um golpe antidemocrático no dia 8 de janeiro. O principal candidato da esquerda nas eleições municipais do ano que vem, Guilherme Boulos, do PSOL, já está sentindo o peso da indefinição em São Paulo.

A atitude dos partidos de esquerda acordou a direita extremista, que estava num corner, acuada pelas acusações ligadas à tentativa de dar um golpe antidemocrático no dia 8 de janeiro. O principal candidato da esquerda nas eleições municipais do ano que vem, Guilherme Boulos, do PSOL, já está sentindo o peso da indefinição em São Paulo.

O governo agiu com eficiência, porém, nas providências para resgatar brasileiros que querem deixar Israel em meio ao conflito. Agora, por acaso na presidência rotativa do Conselho de Segurança da ONU, poderia ter uma ação construtiva, mas, com um posicionamento dúbio, perderá força que eventualmente pudesse ter.

 

 

 

 

 

 

O Globo, 10/10/2023