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Machado e Marcantonio

 

O Brasil está a concluir os registros do centenário da morte de Machado de Assis. Muitos livros editados, muitos artigos publicados, conferências por toda parte, enfoques inusitados ou repetidos, dúvidas realimentadas, tudo como sugerido na obra de um verdadeiro gênio nascido aqui.


O tema morte é recorrente nos seus textos, com avaliação variável quando posta na boca dos personagens, porém mais homogênea fora dos seus tipos e toda vez que próxima das reflexões intrinsecamente pessoais. Como é o caso das crônicas.


No Dom Casmurro, há esta sentença: “O louvor dos mortos é um modo de orar por eles”. Em Brás Cubas: “A morte não envelhece”. Nos Contos: “Olhemos a morte como ela deve ser olhada: livramento e não aniquilamento”.


Lemos juntos, os pais de Marcantonio, estes pensamentos, associando-os como é natural à data crudelíssima do final/início de ano, que assinala a partida para a viagem vertical do filho amado.


Lembrá-lo é cuidar da dor e zelar pelos seus feitos de pessoa e cidadão, pois Machado também disse que “a saudade é isto mesmo, é o passar e o repassar das memórias antigas”.


Pois o que temos feito? Carmo e eu, os irmãos também, senão atar as duas partes da vida, ele conosco e nós sozinhos? Restauramos em nossa alargada maturidade a sua exuberante adolescência, como forma renascida de amá-lo no jeito antigo.


Compreendo muito bem o que Machado pôs na boca de personagem do Dom Casmurro: “Pois nem tudo isso me matava a sede de um filho, um triste menino que fosse, amarelo e magro, mas um filho próprio da minha pessoa”.


E o que é ter um filho alegre menino, sedutor e robusto rapaz, um prodígio de inteligência, um talento de repercussão além fronteira, um empreendedor singularíssimo no plano cultural? E ter um filho assim como é que é?


Machado não teve filho, mas percebeu o significado de alongar-se na vida de quem da nossa vida se fez. É lindo. Mas é horrível perder essa lindeza. Não parece ser permitido por Deus.

A gente aprendeu que quando chamado, ainda jovem, o homem foi um predileto de Deus que o desejou logo cedo, mais próximo.


Ou então, como quer Guimarães Rosa, a morte a significar o sobrevir de Deus eternamente.

Marcantonio acelerou a sua vida. Organizou o tempo para fazer o máximo num mínimo. Parecia adivinhar. Buscou e conseguiu cumprir uma trajetória de urgências, a sorrir, a ironizar, a conhecer, a fazer com obstinação, a proferir julgamentos de isenção, a desconsiderar incômodos, a desdenhar dos invejosos, a ter horror à mediocridade.


É difícil que me entendam, mas foi um urgente sem pressa. Sabia(?) do pouco tempo, mas sabia que carecia de que realizasse tudo à perfeição.


A dor que sentimos é inimaginável e intransferível, por mais que saibamos da solidariedade de tantos.


Que Deus o tenha. Nós, Carmo e eu, seguiremos dizendo, tal qual Carlos Fuentes: “Um filho merece a gratidão dos pais, nem que seja por um só dia de existência na terra”.


08/12/2008

, 08/12/2008