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Machado: da Monarquia à República

 

Machado de Assis viveu e foi protagonista de importante momento da vida do Brasil, aquele que marca a passagem da Monarquia para a República.


Machado é um tríbio. Temos que vê-Io no que antecede essa transição, na própria transição e no que a ela se sucedeu.


O passado não pode ser considerado uma fase de vida experimentada, mas uma experiência presente no inconsciente, como influência modificadora de comportamento. Modificadora da própria projeção sobre o futuro, como ensinou Gilberto Freyre, o brasileiro que melhor expôs essa teoria do tempo tríbio.


A República chegou vindo do coração antigo dos pioneirismos vários que marcam Pernambuco. Em 1710, em Olinda, a velha capital daquele Estado, bradou-se por uma república ad insta de Veneza. Depois vieram os Inconfidentes de Minas e mais uma vez Pernambuco com os padres doutores na Revolução de 1817. Os gestos se ampliariam com os movimentos revoltosos dos Balaios no Maranhão, Cabanos no Pará, Sabinos na Bahia, Convencionais de ltu, Farrapos no Rio Grande e Santa Catarina.


Quando chegou o “15 de novembro de 1889” viu-se que não havia ali apenas uma mudança ao nível das instituições, mas houve, de fato, uma alteração nas bases e nas forças sociais que articulavam o sistema de dominação.


No outono do Império, a crítica social pôs a nu a escravidão e a grande propriedade rural.


Machado de Assis viveu e escreveu sob o pálio de tudo isto, ora na ironia, ora nas entrelinhas, ora vitimado por controvérsias que o envolveram, ora escaneando as veredas da política. Entre um caso e outro, pausas para ouvir música no Clube Beethoven, já que fez dessa arte sua diversão mais usual.


As instituições do Império representavam um passado incompatível com a economia do País. A Abolição da Escravatura e a República são os parâmetros mais fáceis para a constatação do processo. E o mulato Machado de Assis é dessa época.


A burguesia mercantil, os imigrantes, o surto de propriedade urbano-industrial, a Revolta do Quebra-Quilos, o café foram ingredientes da mudança. Fazendeiros republicanos, beneficiários da imigração apoiavam a Abolição.


Tudo isto tinha seu estuário no Rio de Janeiro, capital do País, onde viveu Machado de Assis sem de lá sair, exceção de brevíssimos períodos em que se deslocou para Nova Friburgo, na região serrana a poucos quilômetros.


Viveu no Rio e foi o melhor intérprete da sociedade de então.


Nesse período fundou, sob a idealização, entre outros, de Lúcio de Mendonça, a Academia Brasileira de Letras. É um tempo muito curioso. Começa a moda da galocha, do paletó jaquetão, do soneto, do chopp, do chuveiro, da Gillete, da Kodak, da injeção - sobretudo contra a sífilis - da substituição do carneirinho pelo velocípede como brinquedo de criança e do presépio pelo Papai Noel, da governanta inglesa, do futebol, do habeas corpus, da caricatura política alongada em caricatura social veiculada na imprensa que contava com a constante e prestigiosa presença de Machado de Assis.


Esaú e Jacó certamente é a melhor investigação romanceada do período em que saímos da Monarquia para a República. Os tipos que nele se encontram desdobram as paixões e o contraditório e expõem a suavidade da mudança. Mais que mudança, uma transformação. Dá boa medida disso a reação inconformada do republicano personagem Paulo, diante da inexistência de sangue, tiros, barricadas. O aguerrido Paulo queria a República mas a desejava chegando sob o zumbido do choque armado. Era um agressivo. O irmão Pedro, um ameno.




Diário de Pernambuco (PE) 1/7/2007