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Lembrando Zé Lins

 

Ao publicar Menino de engenho, em 1932, aos 31 anos de idade, numa edição à custa do autor, José Lins do Rego se revelava um escritor pleno de uma sangüínea vitalidade, alcançando um sucesso raro para um livro de estréia. Após seu segundo livro, Doidinho, publicado pela Editora Ariel, o grande romancista paraibano recebeu uma carta, que se tornaria famosa, do jovem editor José Olympio, propondo a reedição da obra de estréia e a edição, numa tiragem de 10 mil exemplares, do seu próximo romance, que seria Bangüê. Dizem que Zé Lins, como era geralmente conhecido entre os amigos e depois sê-lo-ia nacionalmente, mal pôde acreditar na oferta temerária.


Com Bangüê, em 1934, valorizado por uma bela capa de Santa Rosa, inicia-se a fase da consagração de José Lins do Rego perante o seu vasto círculo de leitores, com a sua média de praticamente um romance por ano, com a sua forma de escrever pouco dada a correções e o seu estilo comumente apodado de desleixado, ainda que rico de substância romanesca e de verdade humana. Independentemente do mais ou menos procedente dessas críticas, em 1943 José Lins do Rego lançaria uma das obras-primas do romance brasileiro de qualquer época, Fogo morto, mantendo-se sempre como um dos mais populares e prestigiosos romancistas do Brasil até a sua morte prematura, em 1957.


No ano seguinte a Bangüê, alargando o seu mundo ficcional, vinha à luz O moleque Ricardo, no qual a ação, junto com o personagem-título, abandonava o engenho para chegar à cidade, ao Recife. Trata-se do mais social, do mais político dos romances de Zé Lins, com o seu cenário de greves e subemprego urbano, ainda que de um autor nunca diretamente ligado à política partidária, como os seus amigos Graciliano Ramos e Jorge Amado. Em 1936, com Usina, fecha-se o chamado ciclo da cana-de-açúcar, despedindo-se o romancista do alter ego criado no livro de estréia, o velho engenho sendo inexoravelmente engolido pela usina. Pureza, do ano seguinte, consiste num belo idílio no interior de Pernambuco, mas é com Pedra bonita, em 1938, que o fabulador abandona a Mata e o Agreste e entra pelo Sertão, a paisagem mítica do beatério e do cangaço que, através desse romance e do que lhe marca a seqüência, tanto impressionaria, anos depois, o adolescente Glauber Rocha. Após Riacho doce e Água-mãe, talvez os mais incaracterísticos dos seus romances, chega a vez da obra-prima, como já afirmamos, Fogo morto, sem dúvida a síntese de tudo o que de mais essencial havia na mundivisão de José Lins, retrato de uma realidade agrônica, entre o trágico e o cômico, um dos maiores títulos da ficção brasileira. Após Euridice, interessante visão da pequena burguesia do Rio de Janeiro politicamente polarizado da década de 1930, o autor retorna ao Sertão com Cangaceiros, de 1953, seu último romance, continuação direta, com os mesmos personagens, do drama de Pedra bonita.


Paraibano de nascimento, pernambucano de adoção, José Lins do Rego acabou por se tornar uma das figuras mais populares do Rio de Janeiro, uma espécie de carioca honorário, com o seu arraigado amor ao futebol, o seu conhecido bom humor, a sua bondade e simpatia lendárias, que aqui rememoramos no cinqüentenário de sua morte.


Jornal do Commercio (PE) 4/10/2007