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Disputa inglória

 

O presidente Lula sente que a situação política não está favorável a seu governo, mas repete os erros, mesmo quando poderia evitá-los. Ao chamar Bolsonaro de “covardão” por não ter conseguido executar o autogolpe planejado, retira das instituições o mérito de terem impedido a ilegalidade, além de chamar mais uma vez para a briga seu adversário preferido no momento.

Seu próprio discurso é um dos problemas. Ele continua querendo fazer o contraponto ao bolsonarismo, atacando Bolsonaro pessoalmente, chamando a atenção para a disputa dos dois lados, em vez de apresentar-se como a melhor alternativa com atos. O presidente Lula exacerba o ambiente político, chama Bolsonaro para a briga, na certeza de que é boa para ele essa disputa. Mas isso cria um ambiente tenso no país, ele não procura se aproximar dos que apoiam Bolsonaro por falta de opção.

Lula não consegue se colocar como opção às pessoas que não gostam de Bolsonaro e rejeitam o PT. Ao ficar nessa disputa, restringe seu raio de ação, pode ganhar por pouco, como da outra vez, mas pode perder por pouco também, porque o país está dividido. E não consegue esvaziar o apoio a Bolsonaro — apoio que tem lógica, pois seus seguidores se sentem menosprezados, constrangidos pelo assédio dos petistas.

É um apoio do antipetismo, e mais de quem é de direita, de extrema direita, nesse tipo de confronto com a esquerda. E uma das coisas em que o PT erra é exatamente na exacerbação do oposto, colocando-se como única alternativa, sem abrir espaço para os que lhe fazem oposição, mas sem radicalismos.

Lula trouxe para a disputa política, e não é de hoje, a vontade de dizer “ou ele ou eu, não tem escolha”, o que se torna um constrangimento desnecessário. O governo tem de mostrar como as coisas estão bem — se é que estão, se ele acha isso e os números mostram, e por que as pessoas não estão se sentindo bem. Acho que uma boa parte disso é culpa do próprio governo.

Outro problema sério que tem sido abordado, com certa cautela até agora, é a comunicação do governo, que tem perdido a disputa com a direita e a extrema direita nas redes sociais. Claramente, a equipe atual não está preparada para essa disputa. A primeira-dama Janja trabalha nos bastidores para assumir o controle da comunicação digital. Não sei se ela sabe fazer isso, se tem gente para isso, mas acertou no diagnóstico: é preciso mudar a comunicação digital.

É claro que não adianta ter boa propaganda para um produto ruim, mas é fato que o governo não sabe fazer a comunicação digital como deveria. É por aí que poderia melhorar um pouco a imagem do governo. O ministro da Casa Civil, Rui Costa, fez uma apresentação em nome do governo — daquelas em que tudo está certo, tudo ótimo, o próprio presidente falou:

— Vocês vão se surpreender porque tem muitas boas notícias.

Apresentou essa análise da situação, mas não explicou por que a popularidade está caindo se tudo está dando certo. Parece que os primeiros números da economia neste ano estão indo muito bem. O próprio Lula falou que cresceremos muito mais do que imaginam neste ano e no ano que vem. Tem de procurar saber o que está fazendo com que perca a popularidade se as coisas estão indo bem. Esse é o grande defeito do governo, que não quer ver, não quer analisar onde está o problema.

Um deles é o ambiente tenso em que o PT coloca o país. Para quem governa, o ideal é que o ambiente político seja apaziguado. Quem gosta de confusão é a oposição, por isso a permanente disputa. Não se trata de aceitar um retrocesso nos avanços civilizatórios já alcançados. Ao contrário, é preciso mantê-los. Mas Lula tem razão quando sente que as pautas “progressistas” do Supremo Tribunal Federal (STF) podem conturbar mais ainda a situação política.

O Globo, 19/03/2024