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Dez anos, dez minutos?

 

A noção de beleza para Marcantonio não era um luxo para estetas, nem um enfeite a ornar alguém ou alguma coisa. Isso seria conceder à beleza o carimbo do supérfluo ou o estigma do mero capricho.


Não o moviam subalternidades no ajuizamento da beleza. Não consentia em favorecimento para o artista, nem a inquestionabilidade para o produto, Tudo tinha que ser provado para ser aprovado.

 

Creio que ouvia a obra de arte e não só a olhava. Conversava, tocava-a, incorporava-a ao seu paladar, também. E ao olfato. Era uma avaliação de todos os sentidos, dominada por emoção e racionalidade.

 

Esteve sempre ciente de que a noção de beleza era uma necessidade e um princípio de educação. Por isso, associava a beleza ao processo de se alegrar.

 

Marcantonio tinha alegria na convivência com artistas e obras de arte. Nesse ambiente sempre sorria, até quando os lábios se contraiam, o olhar subia às sobrancelhas, a voz murmurava sons de ironia. Sua ironia era cruel pelo toque do senso de humor, sutil e, por isso mesmo, com certo jeito de impiedade.


Era adorado e temido, tal como se construiu. Adorado pela lealdade e temido pelo não concessionismo.


Sempre proclamou que a arte se aprende. Não que negasse o autodidata, não que objetasse criações primitivas, mas por lhe

parecer indissociáveis à educação e à cultura.

 

Agora, decorridos dez anos desde a sua partida para a visita permanente às galerias de arte do céu, o "profeta das cores" como o chamou Luiz Otávio Cavalcanti - em chancela sábia e sabida -, os pais não distinguem se, de fato, já faz dez anos ou apenas dez minutos.


É tão quotidiana a sua presença, tão atuais os seus julgamentos, tão proféticas as suas apostas, que falar dele, falar com ele, é o corriqueiro a quem, nas artes, enxerga um palmo à frente. E como queria Miguel Torga, as gentes precisam ter pelo menos um palmo de sonhos.

 

O profeta sonhou.


Dos seus sonhos fizeram-se, claro que pelos méritos que gostava de proclamar, os nomes brasileiros incorporados à arte considerada de expressão internacional.


Não são os seus suspeitos pais que o dizem, nem os da sua e nossa terra, que essa virtude não cultivam - a de reconhecer os valores nativos em permanência; quase sempre só fazem luzir os brilhos de circunstância - mas disso cuidam museus, críticos de arte, artistas consagrados.

 

Os pais continuam chorando. Chorarão sempre. Fazer o quê? Prosseguiremos, a mãe sobretudo, sob as lições de S. Bento, orando e trabalhando. Orando por ele sem medidas na prece. E trabalhando em favor, dentro dos nossos modestos limites, por duas das maiores paixões do filho amado: Pernambuco e as artes plásticas.


Jornal do Commercio (RJ), 21/12/2009

Jornal do Commercio (RJ),, 21/12/2009