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Contra a ONU

 

O samba do diplomata doido continua dominando nossa política externa, a ponto de o presidente da Câmara Rodrigo Maia ter tomado a si a tarefa de contatar autoridades internacionais para aparar arestas.

A ida à Argentina, para uma reunião com o presidente eleito Alberto Fernández antes da posse foi bem sucedida por caminhos tortos. A primeira reação de Bolsonaro foi irritar-se, e desistir até mesmo de mandar como seu representante o ministro da Cidadania Osmar Terra, que já era uma representação abaixo da tradição com nosso principal vizinho.

De representante nenhum, o presidente ouviu ponderações - que não devem ter saído do Itamaraty - para elevar o grau da representação brasileira à posse, enviando o vice-presidente Hamilton Mourão.

O presidente da Câmara está agora na Europa, para encontros com dirigentes de várias agências internacionais ligadas à ONU, como a Organização Mundial do Comércio (OMC), dirigida pelo brasileiro Roberto Azevedo, a Organização Mundial da Saúde (OMS), Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a OMPI, Organização Mundial de Propriedade Intelectual.

Todas agências da ONU, com quem o Brasil sob Bolsonaro está em disputa por causa de uma dívida que é a segunda maior entre os países membros. O primeiro devedor é os Estados Unidos, com cerca de 25% do débito. Assim como Trump desdenha a ONU, Bolsonaro o segue, alegando que não pagará a dívida porque a ONU politiza suas decisões.

Isso quer dizer que consideram que a ONU é “globalista”, um órgão internacional contrário a nações soberanas. Uma decorrência dessa atitude de menosprezo é o caso da direção da OMPI, que será decidida em março, mas cujo limite para apresentação de candidaturas termina dia 30 deste mês.

Vários grupos de políticos e de dentro do governo apoiam a candidatura do advogado José Graça Aranha, membro da OMPI há 35 anos, candidato há 12 anos que perdeu por um voto para o australiano Francis Gurry, que a dirige desde então.

Efraim Junior, presidente da bancada parlamentar da propriedade intelectual, voltou da Paraíba no mesmo avião de Bolsonaro e defendeu a candidatura de Graça Aranha. O Congresso apoiou Aranha através da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, e enviou um oficio ao Itamaraty para que adotasse as medidas cabíveis, pois são os países que indicam seus candidatos. O próprio esteve no Itamaraty com Otavio Brandelli, secretário-geral de Ernesto Araujo.

Brandelli, assim como Aranha, foi presidente do INPI, e tem um candidato, o embaixador Roberto Jaguaribe, que também presidiu o órgão. Há uma disputa de visões do papel do órgão internacional, e também entre os diplomatas e um especialista de fora de seus quadros. Há intrigas de todos os lados.

Graça Aranha foi presidente do INPI durante o segundo governo de Fernando Henrique, indicado pelo então ministro do Desenvolvimento Celso Lafer. E concorreu a presidente durante o governo Dilma Rousseff do PT. Essas seriam ligações perigosas na avaliação dos bolsonaristas.

Mas Brandelli também foi presidente do Instituto Brasileiro de Propriedade Industrial (INPI) no governo petista. Paradoxalmente, Brandelli defende a flexibilização do direito de propriedade, que Graça Aranha é contra, uma das disputas mais importantes nessa guerra de bastidores para a indicação do candidato do Brasil, o que mostra mais uma incoerência do governo Bolsonaro.

Houve uma reunião há dias do grupo interministerial de propriedade intelectual, que referendou a candidatura de Graça Aranha, inclusive o Ministério da Economia, seguido dos demais membros do grupo, com exceção do Itamaraty, que afirmou que continuavam analisando a questão.

Nesse interim, a China resolveu apresentar candidato. Ela, que já tem a presidência de quatro agências da ONU, entre elas a FAO, está preocupando os Estados Unidos e a Europa por disputar um cargo tão sensível. A tal ponto que o genro de Donald Trump ligou para o chanceler Ernesto Araujo para pressionar pelo apoio a Graça Aranha, que seria o candidato favorito por estar na OMPI há 35 anos e já ter disputado o cargo.

A questão é que agora é a vez da Ásia ou da América Latina, e a disputa está entre o representante de Cingapura, o brasileiro, e agora a China correndo por fora. A candidatura de Graça Aranha está sendo costurada de dentro para fora, e não é provável que outro candidato brasileiro tenha chance de organizar uma campanha viável até março.

O Globo, 12/12/2019