Quando sirvo de cicerone a algum amigo brasileiro na visita à cripta basílica vaticana, tenho uma razão para deter-me com ele diante do túmulo de Pio XI (Ambrogio Damiano Achille Ratti). No dia 10 de fevereiro de 1939, adoecia e morria este papa quando Roma já estava repleta de bispos italianos. Eles o convocaram para um discurso que pronunciaria no dia seguinte, décimo aniversário da solução da Questão Romana com a criação do estado-Cidade do Vaticano e a promulgação do Pacto Lateranense entre este e o Estado Italiano. Dizia-se à boca pequena que o pontífice denunciaria e coordenaria certas lacerações do referido Pacto por obra de ninguém menos que Benito Mussolini.
Entre intenso diz-que-diz-que sobre a causa mortis do santo padre, os operários foram cavar sua sepultura no lugar por ele indicado no testamento. Surpresa: a ponta das picaretas encontra obstáculo em grandes pedras subterrâneas. Deslocou-se de uns poucos metros o túmulo e interrompeu-se o trabalho no local à espera das ordens do novo papa. Este, Pio XII (Eugênio Pacelli), ordenou que se continuasse a escavar para saber o que havia deixado debaixo do chão da cripta. Para isso foram chamados arqueólogos da Itália e de outros países. Dez longos anos durariam as escavações com um resultado: a descoberta de uma necrópole, que a princípio se julgou somente pagã, nas encostas da colina chamada vaticana.
O mais importante estava por vir e viria sob a guia de Margherita Guarducci e dos pesquisadores seus companheiros. De repente vem à luz um pequeno muro de contenção, levantado para impedir o escorregamento da terra nas fraldas da colina: por sua cor, chamaram-no o muro vermelho. Surge na proximidade do muro um troféu (limen), mesa de pedra como se fosse um altar. Surge sobre tudo uma caixa de madeira sobre a qual está escrito em grego: Aqui jaz Pedro. Os cristãos teriam transportado o corpo do vizinho Circus Minor de Nero, no próprio Vaticano, para este cemitério.
O inesperado e surpreendente achado explica porque, contra todos os princípios de época, o imperador Constantino havia mandado seccionar ou demolir túmulos e mausoléus, contanto que o aterro permitisse que o altar-mor da basílica que ele construíra em honra de São Pedro ficasse logo acima daquele lugar. Hoje, na basílica dos séculos XVI e XVII, uma linha reta ideal partindo da lanterna da cúpula “miguelangelesca” passa pela cruz do baldaquim de Bernini, pelo crucifixo do altar da Comissão para um chegar exatamente ao muro vermelho, ao troféu e à caixa de madeira. Não é uma escolha casual, mas um desígnio voluntário determinou esta localização. Da confissão, chama-se o altar sob o baldaquim sobre o qual normalmente só o papa celebra a missa. O nome vem da localização na qual ele se encontra junto do lugar onde o apóstolo professou a sua fé aceitando, para isso, o martírio. O altar do fundo da basílica, sob a glória do Bernini se chama Altar da Cátedra, porque sobre ele uma cátedra de madeira está embutida numa outra de mármore. A tradição diz que é a cadeira de São Pedro em Roma. Ela é sustentada por dois padres latinos reconhecidos por suas mitras, Ambrósio e Agostinho, e dois padres orientais, Atanásio e João Crisóstomo.
A estátua de bronze tem uma vinculação ideal com os altares da Confissão e da Cátedra por representar aquele que na Cátedra pregou e ensinou 25 anos na cidade de Roma e na cruz deu sua vida em testemunho de sua doutrina e de sua pregação. O Aqui jaz Pedro se realiza literalmente na caixa de madeira junto ao muro vermelho. Mas se realiza indiretamente no altar da Confissão e na Cátedra que os padres da igreja sustentam.
Jornal A Tarde - Salvador - BA, 13/06/2001