Sem liberdade , não há democracia, e esta não funciona sem partidos. A história dos partidos políticos é lenta, mas foram eles o grande instrumento de estabilidade dos governos. Repito a definição clássica de que, numa sociedade pluralista e aberta, constituída de grupos de pressão, o partido político é classificado como um destes, diferenciado dos outros porque, em vez de influenciar o poder, ele quer exercer o poder. No Brasil, talvez pela sua dimensão, de realidades regionais diferenciadas, nunca tivemos uma tradição de partidos políticos. Nosso modelo foi mais de facções estaduais que se reúnem a nível nacional em termos de governo e oposição. Assim foi no Império, na República e é até hoje. Por isso, quando um partido político em nosso país completa 40 anos, é um feito significativo para as instituições.
O PMDB completa 40 anos, e é muito tempo para nós, enquanto é pouco para a Argentina e o Uruguai, com partidos centenários.
Em minha vida, conheci dois grandes partidos e pertenci aos dois. Talvez tenham sido os dois únicos partidos nacionais constituídos em torno de uma causa, a maior de todas: a da liberdade.
Em 1945, a UDN, depois da queda de Vargas, se constituía como uma agremiação cuja força era a sua unidade na diversidade, aglutinando todas as tendências, que abrangiam um leque extraordinário que ia da esquerda democrática aos parlamentaristas de Raul Pilla. Ela vivia pela chama da democracia e pelo idealismo dos seus pensadores.
Em 1965, com a Revolução, os partidos tradicionais foram extintos. Nasceu o MDB, no princípio engatinhando, depois sendo o grande núcleo em torno do qual se juntaram todas as forças políticas contra o regime autoritário. Nestes 40 anos, prestou consagrados serviços ao país. Teve momentos de glória nas pessoas de Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, Paulo Brossard e Teotônio Vilela, como eu, vindo do outro lado. Nós nos juntávamos na velha tradição brasileira, da Independência, do Império e da República Velha -nesta, monarquistas e republicanos juntaram-se para que as instituições permanecessem e se consolidassem.
Do MDB, depois PMDB, nestes 40 anos, já estou há 22 anos. Fui o presidente da República do PMDB e, sob minha responsabilidade, fomos o partido da transição democrática, da volta das liberdades. Cumpri o seu programa voltado para as causas sociais. O lema da Nova República foi: "Tudo pelo Social". Colocamos na agenda das decisões nacionais a prioridade do social sobre o econômico. Nasceram os programas do leite, o vale-transporte, o seguro-desemprego, o vale-alimentação, a universalização da saúde, a extensão da assistência social aos trabalhadores do campo. Fizemos o Plano Cruzado para beneficiar os mais pobres e distribuir renda. O Brasil cresceu 119% e teve a menor taxa de desemprego de sua história. Fortificou-se o movimento sindical, ordenou-se o Estado de Direito, com a Constituinte, eleições diretas e a implantação da segunda maior democracia do mundo ocidental.
Foram 40 anos de um partido que preservou sua alma, a democracia interna, assegurou nos seus estatutos e vida o direito de divergir e permaneceu sem donos. Suas aparentes lutas internas são formas de exercitar idéias, nada de patológico e tudo de saúde.
Folha de São Paulo (São Paulo) 24/03/2006
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[1] https://www.academia.org.br/academicos/jose-sarney