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Artigos

  • Obama e o pré-sal

    O Globo (RJ), em 16/11/2008

    Apresso-me em tranqüilizar os que temem que, nas linhas abaixo, eu venha a expor uma intrincada trama, segundo a qual o presidente eleito Obama trabalhou sob identidade falsa na Petrobrás e agora seu primeiro plano de ação, em conluio secreto com os interesses petrolíferos do antecessor, é invadir o Brasil e levar com ele nosso precioso pré-sal. (Falar nisso, o jornal bem que podia pautar alguém para descobrir o que é pré-sal, porque só se fala nele, mas, ao que parece, ninguém sabe bem do que se trata - existirá alguma água no mar anterior ao sal, ou qualquer coisa assim, triste ignorância?)

  • A ilha na vanguarda

    O Globo (RJ), em 02/11/2008

    Neste belo domingo de sol etc. etc., ia começando outra vez, mas me bateu algo que tenho de dizer antes, praticamente por uma questão de educação. Muita gente, notadamente alguns estrangeiros que vivem no Brasil e lêem português bem, ficou baratinada com os dois primeiros parágrafos da coluna passada. Desculpem, por favor, sobretudo os que tomaram tranqüilizantes achando que a Imprensa brasileira estava sendo inopinadamente ocupada por loucos e os que se encontram com a musculatura dolorida por levarem aquilo excessivamente a sério e terem levantado dicionários em demasia, mesmo em dia de exercício. O marido holandês de uma amiga nossa teve um princípio de crise nervosa e minha irmã me telefonou da Bahia querendo o número de meu psiquiatra e perguntando se eu já considerara a hipótese de ter recebido um caboclo ou coisa assim - o que, aliás, me levou a indagar se ela estava me estranhando, pois que eu não recebo nem nunca recebi nada, nem no concreto nem no figurado, é bom deixar isto bem claro. Desculpem, não torno a outra, embora, baiano sendo, não possa garantir, já que a baianada vive tomando intimidades descabidas com a língua.

  • O que dizem as mãos

    O Globo (RJ), em 26/10/2008

    Na fímbria longínqua do horizonte, emoldurada por nuvens etéreas, a rododáctila deusa Aurora, entre cores de matizes indizíveis, já afasta os véus arautos da ascensão gloriosa do Astro-Rei, que logo cruzará mais uma vez o nosso céu abençoado, alardeando ao mundo a grandeza da Criação e a sublime dádiva da Existência. Entre as cobertas macias que lhes envolviam os corpos tão felizes quanto suas almas afortunadas, os brasileiros principiam seu garrido despertar, tornado ainda mais venturoso que de hábito, pela lembrança que logo lhes vem às mentes jubilosas: hoje é novamente dia de eleição!

  • Relatividade dominical

    O Estado de S. Paulo (SP), em 19/10/2008

    Tudo neste mundo é relativo, como se gostava muito de repetir há algumas décadas, quando Einstein era de certo modo novidade e liam-se livros de divulgação sobre a teoria da relatividade de que ninguém entendia nada, a começar pelos próprios divulgadores. Acostumamo-nos a isso. Continuamos a não entender nada da teoria da relatividade, mas a incorporamos ao nosso dia-a-dia, talvez cada um à sua maneira e de acordo com suas circunstâncias.

  • Não tem problema, a gente paga

    O Globo (RJ), em 12/10/2008

    Esse negócio de sermos colonizados é muito mais sério do que se imagina. Até eu, que já pensei muito no assunto e sou observador viciado de suas manifestações, vejo uma novidadezinha todo dia. Recentemente, tenho certeza de que, ainda nos dias em que o nosso presidente estava curtindo com a cara do presidente Bush por causa da crise de lá, que nem o Atlântico atravessaria (não precisou, é cabotagem, aqui mesmo pelas beiradas da gente), havia um pessoal meio chateado porque a crise não tinha chegado, ou, muito pior, não ia chegar ao Brasil. Mais uma vez de fora, eles lá se esbaldando numa crise desenvolvidíssima, cheia de siglas e frases feitas em inglês chiquíssimo e nós aqui, como nativos de uma ilha primitiva.

  • Vamos cumprir essa formalidade

    O Globo (RJ), em 05/10/2008

    Tomara que não esteja fazendo um dia enfarruscado, ventoso e frio, como os que têm aparecido ultimamente, por aqui onde moro. Afinal de contas, é mais uma repetição da única ocasião em que, no governo desta assim chamada democracia, somos convocados a dar algum palpite - e assim mesmo porque convém a eles, os que mandam em nós. Sei que há argumentos sérios em favor do voto obrigatório, mas ele existe mesmo é para dar representatividade aos eleitos. Se o voto não fosse obrigatório, cada eleito poderia ostentar apenas alguns poucos votos e não poderia abrir a boca para, também em seu próprio benefício, gabar-se de representar milhões ou centenas de milhares de cidadãos. Isso mesmo, mas, de qualquer forma, é a parte que nos cabe neste latifúndio e, assim, desfrutemos dela o quanto possamos, para o que um dia ensolarado e jovial contribuiria muito.

  • Estão pensando que eu sou bobo

    O Globo (RJ), em 21/09/2008

    Esta vida é um rude golpe atrás do outro. A gente pensa que conseguiu algum tempo de sossego e aí lá vem perturbação no juízo. E confesso a vocês que não esperava a revelação que me fizeram de chofre e sem misericórdia, na semana que passou. Dirão talvez muitos entre vocês que isto mostra como ando alienado, pois o que me contaram não devia ser surpresa para ninguém, muito menos para mim. Mas talvez alguma defesa inconsciente me viesse bloqueando a visão durante todo este tempo. Terei sido, ai de mim, o pior dos cegos, aquele que não quer ver.

  • O Bolsa Blindagem

    O Globo (RJ), em 15/09/2008

    Louvor em boca própria, bem sei, é vitupério, como diziam os antigos. Hoje ninguém mais diz isso, até porque suspeito que ninguém mais sabe o que é vitupério. Pensei em traduzilo para “uma parada sinistra”, mas fiquei com medo de cometer algum equívoco, porque não domino bem os vocábulos que, com admirável poder de concisão, compõem o cabedal lingüístico da maior parte do nosso povo atual, demonstrando que ninguém precisa de mais que trezentas palavras para ser feliz. Bem, trezentas e cinqüenta para os muito letrados, mas acima disso é elitismo.

  • Pão e circo

    O Globo (RJ), em 07/09/2008

    Juvenal, o poeta romano que pela primeira vez escreveu a frase, repetida há quase dois mil anos e aqui lembrada de forma muito livre, segundo a qual o povo quer mesmo é pão e circo, ou seja, comida e diversão, não era um aristocrata desdenhoso. O fato de sua vida ser misteriosa até hoje vê-se como indício de que foi perseguido pelos poderosos — e no tempo do imperador Domiciano, que, sob muitos aspectos, não era flor que se cheirasse.

  • Uma novidade atrás da outra

    O Globo (RJ), em 31/08/2008

    Não que eu goste tanto atualmente, embora seja viciado, mas todo dia me vejo na obrigação de ler uma porção de jornais, catando assunto sobre o qual lançar a luz do meu entendimento, ou - hélas! - no ver de muitos, as trevas de minha burrice. Mas hoje não. Hoje tem uma pilha de jornais virgens aqui na mesinha atrás de mim. Como metaforizaria um mestre qualquer da nossa prosa cotidiana, não é que me falte o Viagra da curiosidade e do interesse pelo que se passa no mundo, mas me sobeja vasto harém de fatos notáveis, momentosos, assombrosos e semelhantemente adjetiváveis, de maneira que se requer grande virilidade cívico-jornalística de minha parte e, já no avançado de minha idade, sou forçado a obedecer a naturais limitações.

  • Memória de Caymmi

    O Globo (RJ), em 24/08/2008

    Infelizmente, a linguagem é linear e as coisas têm que ser contadas em sucessão - Que fazer, a gente vive no tempo - há sempre um "antes", um "durante" e um "depois" - Mas eu gostaria que fosse possível fotografar uma amizade de mais de quatro décadas, como a de Dorival Caymmi comigo. Não filmar, cujo resultado, por mais que inventem truques engenhosos, tampouco escapa da linearidade, mas fotografar mesmo. É como se tudo pudesse ter sido simultâneo, do jeito em que agora está na minha cabeça. Não me ocorre uma sucessão ou conjunto de fatos, me vem somente uma espécie de claridade alegre, risonha, festeira. E não há como transmitir isso a ninguém.

  • Lá vem ou lá foi, eis a questão

    O Globo (RJ), em 30/12/2007

    Não sei se alguém já disse isto, mas tudo neste mundo é relativo. Por exemplo, não escondo ou diminuo minha idade, embora não censure quem o faça, mas tampouco a aumento, como já foi minha prática corriqueira. Ao matutar agora, neste fim de ano que como sempre nos traz um estado de espírito diferente, lembro o tempo comoventemente patético em que, na companhia de amigos corajosos, dispensava a carteira de estudante que, em troca da meia-entrada, me denunciava a idade, para enfrentar com a bravura possível a severidade do porteiro do cinema, quando estava passando "filme impróprio". Entregava meu ingresso e me embarafustava pela passagem, antes que meu rosto imberbe e cheio de espinhas chamasse a atenção do porteiro. A maioria deles era simpática, mas havia um (não esqueço a cara dele, baixinho de bigode, hoje certamente falecido e Deus o tenha, embora eu não faça tanta questão), no antigo Cine Glória em Salvador, que me pegava sempre e que quase me fez perder a cena em que aparecia um peito de Françoise Arnoul, num filme em que ela era amante de Fernandel.

  • O bonequinho deu umas dormidinhas

    O Globo (RJ), em 16/12/2007

    Na quarta-feira passada, sabedor de que, no Senado da República, estaria sendo travada a grande batalha democrática da CPMF, liguei a TV cedo, mandei buscar farto suprimento de pipoca e, juro a vocês, assisti a todo o espetáculo, com exceção dos comparativamente raros momentos em que caí no sono e fui logo despertado por um dos muitos brados retumbantes dados no plenário. Eu não me perdoaria se perdesse aquelas cenas, que, para começar, só podiam acontecer no Brasil mesmo. Imagino que, em qualquer outro país, o espanto seria absoluto e muita gente não ia acreditar nem vendo.

  • Aqui da minha toca

    O Estado de S. Paulo (SP), em 25/11/2007

    Já escrevi duas vezes aqui a respeito de como acho que está em andamento um golpe a ser dado pela situação, mais especificamente através do uso do apetite imoderado do presidente da República pelos gozos do poder. Para ele, não há diferença entre parlamentarismo, presidencialismo, socialismo, comunismo, fascismo, democracia, caudilhismo, peronismo, fujimorismo, esquerda, direita, nada disso. Não me refiro à sua dele ignorância teórica, pois que esta é tão vasta que ele jamais lhe vislumbrará os limites e corresponde ao porte de sua esperteza, ausência de escrúpulos (praticante de Realpolitik, dirá um dos membros do seu serralho moral), sinceridade duvidosa e apetite por tudo a que tiver direito, inclusive ao que não tem direito ainda, mas certamente quererá, se lhe for oferecido. E, claro, se chamado a dar uma definição dessas palavras aí em cima, seguramente encontrará dificuldades, até porque é assunto que nunca lhe interessou muito, a não ser numa necessidade prática aqui e ali. Não lhe interessam rótulos e ideologias. Interessa o poder.