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Só desculpa não basta

 

Atribui-se ao filósofo grego Aristóteles a frase “Da discussão nasce a luz”, mas isso porque ele não teve tempo de assistir aos dois últimos debates de Trump x Hillary e Crivella x Freixo. Neles, em vez de luz, o que houve foram muitas fagulhas ameaçando incêndio a todo momento. Aliás, para que servem mesmo esses bate-bocas, os de lá e os de cá? Dizem que para expor programas de governo e trocar ideias. Mas alguém já viu político em campanha admitir que as propostas do adversário são melhores do que as suas? O que de fato não tem faltado é o intercâmbio de insultos e xingamentos nessa espécie de UFC de palavras em que Trump e Crivella foram polêmicos protagonistas.

Os dois têm em comum pelo menos um passado que os condena e que foi revelado agora. Para ficar no caso que nos interessa mais de perto, o do candidato do PRB, é significativa a maneira como reagiu à exposição de seu lado sombrio de intolerância religiosa e ódio homofóbico. Ele vinha procurando passar a imagem de um pregador do bem, sereno e ecumênico, e eis que o repórter Fernando Molica recolhe na fonte, isto é, em livro do próprio Marcelo Crivella, a acusação de que os homossexuais são vítimas de “espíritos imundos” e que as religiões cristãs diferentes da dele, principalmente a católica, pregam “doutrinas demoníacas”. 

Diante da gravidade de afirmações que não podiam ser desmentidas, o autor de “Evangelizando a África” recorreu à desculpa, alegando que aquelas opiniões eram de outros tempos e de um jovem imaturo, embora já tivesse 42 anos e fosse missionário da igreja dele e de seu tio, o bispo Macedo, no continente africano. Em nenhum momento repudiou as posições obscurantistas de então; apenas se desculpou por elas. Ele podia ter-se inspirado no gerente do bar da Lapa, no Rio, que, dias após destratar duas moças por estarem se beijando, arrependeu-se, e, mais do que apenas pedir desculpas, decidiu promover um beijaço regado a cerveja grátis como penitência por seu ato de homofobia.

Crivella não precisava chegar a tanto, evidentemente. Afinal não se muda convicção de um dia para o outro. Beijaço talvez fosse demais para ele. Mas pelo menos poderia convidar militantes do movimento LGBT para participar de sua posse, caso seja eleito. Que tal? Assim, demonstraria que, em matéria de respeito às diferenças, tornou-se de fato o contrário daquele evangelizador que ensinava seus seguidores a considerar a homossexualidade como uma doença maligna inventada pelo demônio. O difícil talvez fosse conseguir que os fieis aceitassem a mudança. 

Enfim, uma boa notícia: a prisão do chamado “Coisa Ruim”, o ex-deputado de 20 milhões de dólares.

O Globo, 22/10/2016