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Sem anistia

 

Não anistiar os oficiais envolvidos na greve dos PMs do Espírito Santo, responsável pelo clima de barbárie que tomou conta do Estado e por um recorde de mortes nas ruas sem policiamento, é a única maneira de dar um basta nessa chantagem que corporações fazem sobre o Estado, inaceitável especialmente vinda de corporações armadas.

 Não está em discussão a necessidade de os PMs receberem reajuste salarial ou terem mesmo melhores condições de trabalho, inclusive vislumbrando uma carreira estável a longo prazo, que garanta a suas famílias segurança e estabilidade. Mas essa negociação tem que ser feita à luz do dia, sem que a chantagem se sobreponha ao funcionamento normal dos serviços do Estado.

O número de assassinatos e os saques a estabelecimentos comerciais demonstram claramente o prejuízo à sociedade que a greve dos policiais militares causou no Espírito Santo, e o governador Paulo Hartung fez muito bem em chamar as coisas pelos nomes que têm: chantagem.

Mesmo que não tenha tido a sensibilidade de notar que havia uma inquietação nas tropas da polícia militar, o governador Hartung não pode ser acusado de ser leniente com a transgressão da lei. Ser duro no controle dos gastos públicos é dos principais trunfos de Paulo Hartung, um exemplar da nova geração de governadores que merece ser apoiado na sua luta contra o desperdício do Estado.

Não há no Espírito Santo até o momento nenhuma denúncia sobre corrupção no governo, ao contrário do Rio de Janeiro, onde a cúpula do PMDB apanhada na Lava Jato continua no poder. Chega a ser ridícula a afirmação do governador Pezão de que nunca desconfiou dos esquemas corruptos que dominavam todo o governo Sérgio Cabral, do qual foi vice e secretário de obras, pasta na qual a maioria das falcatruas com empreiteiras foram cometidas.

Em vez de inocentar Pezão, que agora já apareceu em denúncias da Lava Jato como receptor de propinas, essa declaração o denuncia como um inepto, na melhor das hipóteses. A corrupção que tomou conta do Estado do Rio foi uma das causas da crise em que o Estado está metido, além da irresponsabilidade administrativa que fez com que royalties futuros do petróleo fossem empenhados sem que se soubesse se realmente viriam.

Como não vieram, por questões que envolvem tanto o mercado petrolífero internacional quanto políticas internas de distribuição dos lucros minguantes entre os entes federativos, o Estado quebrou e não tem mais condições de bancar os irresponsáveis compromissos assumidos de aumentos salariais e aposentadoria dos servidores.

O sobrepreço das obras públicas que alimentava a corrupção governamental encarregou-se de fechar o círculo. Um governo corrupto não tem moral para alterar a tradicionalmente corrupta polícia, nem pode exigir uma mudança de comportamento dos servidores públicos, especialmente os que andam armados.

Mas a corrupção do governo também não pode servir de desculpa para ações fora da lei, como greves de policiais militares ou saques como os que aconteceram no Espírito Santo. É preciso que essas corporações minoritárias, mas que têm condições de prejudicar a sociedade com sua inação, tenham consciência de seu papel e negociem com o governo melhores condições de trabalho sem colocar em risco a população.

Agindo do jeito que agiram no Espírito Santo, só terão a população contra elas, em vez de serem apoiadas em suas reinvindicações. O momento que o país atravessa é dos mais delicados dos últimos tempos, e é preciso que a sociedade se una para que possamos superá-lo.

Não é aceitável que corporações armadas possam se valer de chantagens sobre a população para alcançar suas reivindicações salariais, por mais justas que sejam. Por isso, a anistia aos revoltosos não pode ser uma saída para a crise.  

 

O Globo, 12/02/2017