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Refis de ganho de capital

 

A estimativa do presidente Bolsonaro de o governo arrecadar mais de R$ 1 trilhão com a permissão da atualização do valor venal dos imóveis no Imposto de Renda, em troca de uma taxação menor do que o imposto sobre a valorização patrimonial está baseada no montante de bens e direitos declarados pelos brasileiros em 2017, e não apenas nos imóveis: R$ 8,9 trilhões.  

Uma taxa de 10% sobre esse total, que inclui aplicações financeiras e outros ativos, redundaria em um ganho para o governo de R$ 890 bilhões. Ser todos aderissem ao programa, o que é improvável. Essa taxa de 10% foi prevista em um projeto apresentado em 2017 pelo então senador tucano Flexa Ribeiro, que não se reelegeu.

 Provavelmente foi essa proposta, arquivada na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado no final da legislatura passada, que deu origem à discussão atual. É bem mais abrangente do que simplesmente atualizar o valor dos imóveis. No projeto, era aplicável a quaisquer bens ou direitos.

O advogado Luiz Gustavo A. S. Bichara assessorou o senador nessa proposição, e continua convencido de que é uma solução ganha-ganha. O projeto acrescenta o art. 22-A na Lei nº 8.981, de 20 de janeiro de 1995, “para prever a possibilidade de atualizar o custo de aquisição de bens e direitos sujeitos à tributação do ganho de capital mediante a incidência de alíquota reduzida”.

A diferença entre o custo de aquisição do bem ou direito de qualquer natureza e seu valor de mercado atualizado seria taxada por uma alíquota única de 10%, a título de ganho de capital.

Diz o advogado Luiz Gustavo Bichara que, à época, buscou-se uma solução “para aumentar a arrecadação, beneficiando o contribuinte”. A proposta era conhecida como “Refis de ganho de capital”. Ele considera uma idéia boa para o Governo, pois ganharia com essa arrecadação inesperada. E também para os contribuintes, que ganhariam com o recolhimento de um Imposto de Renda com alíquota menor.

O problema é que o fato gerador é incerto, pois a venda do bem pode até jamais ocorrer. Para o governo é bom, porque ele recebe uma receita de tributação inesperada, e de um fato gerador que pode nem ocorrer.

Segundo o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, os estudos estão sendo feitos com base em uma alíquota entre 3% e 5% o que, se torna mais viável a adesão do contribuinte, diante de uma alíquota mínima de 15% na hora de vender, reduz a estimativa de ganho de receita a cerca de R$ 300 bilhões.

Isso porque o estoque de imóveis declarado foi de R$ 3,3 trilhões em 2017. A tributação sobre a venda hoje de um imóvel é baseada em uma tabela que vai até 22,5%. Quem pegasse essa “janela” estaria evitando uma tributação muito maior na hora da venda.

A idéia do projeto era abrir um período pequeno, de seis meses por exemplo, para quem desejasse se beneficiar da redução. O grande pulo do gato, segundo Bichara, é o ganho de capitais nas participações societárias.

Todo mundo que tem cotas de uma empresa, que pretende um dia vender, ou fazer uma transação, vai atualizar, imagina ele. Seria, portanto, útil para quem quisesse atualizar o valor de participações societárias, por exemplo.

Se o governo está precisando de dinheiro, como hoje, pode ser uma boa tentativa, mas não pode ser vendida como sendo uma ajuda à classe média. Na verdade, os mais ricos serão os beneficiados, assim como na repatriação de capitais.

 Tema que deve ser discutido é a ocorrência de prejuízo na venda. Nos Estados Unidos, se o contribuinte paga Imposto de Renda sobre o lucro, e até 3 anos depois tem prejuízo, recebe de volta o equivalente que foi pago. Aqui iria ser devolvido o que se pagou?

Outro problema é que temos impostos estaduais (sucessão, doação) e municipais (venda), quando o imóvel é alienado. Vão também ser antecipados? E se tiver que devolver depois, alguém acredita que prefeituras e governos estaduais vão fazer isso? 

O Globo, 25/05/2019