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Poetas de 45

 

Estamos em 1945, a guerra terminara em 8 de maio. Não sabíamos que ela ia terminar. Mas, no fundo, sabíamos. Sabíamos porque desde o fim de abril, um grupo de jovens poetas, preparamos uma exposição de poesia. Isto mesmo: uma exposição de poesia. Datilografamos poemas em folhas de papel, emolduramo-los como se quadros fossem, e penduramo-los nas paredes da sala de entrada da Escola Nacional de Belas Artes na Rua Araújo Porto Alegre do Rio de Janeiro. Pertencíamos ao grupo: Antonio Fraga, Luciano Maurício, Aladir Custódio, Ernande Soares, Hélio Justiniano e este que vos fala. Conseguimos imprimir um catálogo, para o qual escrevi uma apresentação, com um poema de cada expositor. Inauguramos a mostra em 10 de maio de 1945 (dia do meu aniversário). Era a primeira demonstração pública da geração que viria mais tarde a ser chamada de Geração de 45. Verdade é que; antes dessa data, Nelson Rodrigues lançara o seu Vestido de noiva, Clarice Lispector publicara Perto do coração selvagem e Guimarães Rosa ganhara prêmio, em 1936, com os contos de Sagarana, só publicados mais tarde. Em todos eles havia a marca dos novos tempos. Que veio a ser afinal a Geração de 45? Terá sido simplesmente a negação da Semana de 22? A Semana já havia feito o que tinha de fazer, já havia conquistado o que tinha de conquistar. Mais importante, ainda, entre 22 e 45 houvera uma nova guerra mundial e uma tecnologia que mudava por completo o equilíbrio político das nações.


Era natural que a poesia de 45 abandonasse o poema-piada, que fizera parte do protesto de 1922. Tivéramos um holocausto e uma verdadeira matança que reduzira a população de muitos países. Passáramos por uma ditadura de 15 anos. O ano de 1945 surgia como o início de uma libertação. Estávamos prontos para a mudança. Foi então que um jovem poeta, nascido no Espírito Santo e residente no Rio de Janeiro a partir dos 11 anos, com experiência de vida no mar, como piloto da Marinha Mercante Brasileira, apareceu com seus poemas na face do país. Era uma voz nova. Geração de 45? Pelo calendário, sim – mas não só e nem tanto. Seu lugar em nossa literatura era muito pessoal para ficar assim adstrito. Antes de tudo, Geir Campos escreveu sob um primado ético. Estaria mais perto da poesia dos sucessores de 22, o Jorge de Lima dos sonetos, Jorge e Murilo de Tempo e eternidade e o Carlos Drummond de Claro enigma, publicado um ano depois do livro de estréia de Geir. Depois da famosa e infeliz classificação de José Guilherme Merquior, chamando-a de "dege(ne)ração de 45", muito poeta desejou afastar-se da categoria, tomando-a com isto, pouco atraente. Houve, sim, uma geração de 45, em que estiveram Tiago de Melo, Lêdo Ivo, Paulo Mendes Campos, Antonio Rangel Bandeira e o injustamente esquecido Nilo Aparecida Pinto, entre muitos outros. Aconteceu que a referida geração acabou espremida entre a maré da Semana de 22 e a eclosão do movimento concretista de meados dos anos 50, em que Merquior estava inserido. Nada disso, porém, tem muita importância. A poesia de Geir Campos é de uma clareza tal que se destaca, no período de sua vida, como das coisas mais sérias que a literatura brasileira teve. Suas palavras são as de todo dia, seu ritmo escorre com facilidade, seu significado fica na memória. Eis os oito versos de seu poema Tarefa:


"Morder o fruto amargo e não cuspir/ mas avisar aos outros quanto é amargo,/ cumprir o trato injusto e não falhar/ mas avisar aos outros quanto é injusto,/ sofrer o esquema falso e não ceder/ mas avisar aos outros quanto é falso;/ dizer também que são coisas mutáveis.../ E quando em mitos a noção pulsar/ – do amargo e injusto e falso por mudar,/ então confiar à gente exausta o plano/ de um mundo novo e muito mais humano".


Jornal do Brasil, 5/4/2009.