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Paixões inúteis

 

Os intolerantes, que estão destilando ódio contra e a favor, não devem se esquecer de que, em política, o inimigo de hoje pode ser o amigo de amanhã, e vice-versa.

Em meio a essa guerra de posições extremadas, não custa lembrar que os políticos são movidos por interesses, legítimos ou não, que podem mudar a cada eleição, enquanto os eleitores tendem à paixão, às vezes passageira e inútil, e por ela são capazes de romper laços de amizade e convivência. Será que vale a pena investir tanta emoção em personagens ou projetos nem sempre confiáveis? Alega-se que a ética da política não é a dos princípios, mas dos resultados, ou seja, o que prevalece é o cínico axioma de que os fins justificam os meios, uma lógica que, de certa maneira, está sendo aplicada contra a ação do procurador-geral da República. Dependendo do que faz, Rodrigo Janot é acusado de “partidarizar as investigações” para um lado ou para o outro. A oposição aplaude quando um nome ligado ao governo aparece na lista de denunciados ou quando alguém como o senador tucano Antonio Anastasia teve o processo contra si arquivado por insuficiência de provas. Mas não gostou quando o procurador rejeitou o pedido para investigar a campanha eleitoral da presidente Dilma, feito pelo vice-presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Gilmar Mendes. O despacho de Janot, com críticas ao TSE e à oposição, deu margem à suspeita de ter sido uma forma de agradecimento por ela tê-lo indicado à reeleição, ainda que ele tenha sido reconduzido não só por ela, mas pela maioria de seus pares e do Senado.

Já para os militantes apaixonados (ou aficionados), a melhor lição pode ser tirada de um episódio ocorrido há dias, quando o senador Fernando Collor de Mello inquiriu o procurador-geral durante a sabatina a que este foi submetido. Ali estava ele com o mesmo olhar furioso, a mesma ironia e as mesmas ideias que um dia atraíram a repulsa dos adversários. Como explicar a um jovem de 20 anos que aquele personagem, que foi eleito presidente prometendo um choque moral no país e pouco depois era banido do convívio político por corrupção, continua igual, e quem mudou foi o outro lado, transformando o antigo inimigo em aliado?

Há uns dois anos, causou indignação uma foto de Collor e Renan às gargalhadas, comemorando uma vitória com votos de tucanos e petistas. Eles pareciam dizer: “Olha nós aqui de novo”. Era o retrato fiel do Brasil andando para trás e trazendo de volta personagens de um passado que os condena, mas que um presente de valores morais trocados redimiu. Uma mão lava a outra, até que surgiu a Lava-Jato para lavar as mãos sujas.

Moral da história, uma história de pouca moral. Os intolerantes, que estão destilando ódio contra e a favor, não devem se esquecer de que, em política, o inimigo de hoje pode ser o amigo de amanhã, e vice-versa. Portanto, como Ancelmo vive pedindo, “calma, gente”.

O Globo, 02/09/2015