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O preço alto da greve

 

Três meses sem aulas e uma reposição de araque fazem mal ao sistema e nem significam ganhos apreciáveis do magistério.

Não há dúvida de que os professores brasileiros ganham salários incompatíveis com a dignidade humana. Sobretudo se levarmos em conta os que trabalham na educação básica. Não que os de nível superior sejam privilegiados, mas ganham proporcionalmente melhor.

Se esse fato é uma realidade nos grandes centros urbanos, a tragédia é ainda maior se alongarmos a vista para o interior, especialmente as escolas públicas do Norte e do Nordeste. É comum nessas regiões professores trocarem salários por assistência médica, como se fossem elementos excludentes.

Em São Paulo, os professores estaduais mantiveram uma greve de 89 dias, recorde brasileiro. Os seus líderes toparam fazer uma justa reposição para compensar os dias parados. Aí é que foi dado um nó na matemática: houve uma paralisação de 89 dias. O acordo que foi feito era utilizar as férias –de 30 dias– para fazer a reposição.

É fácil concluir quantos conhecimentos foram sonegados aos alunos pela absoluta impossibilidade da sua ministração. Três meses não cabem num só. E mais: durante essa reposição fajuta, a merenda sofreu o diabo, embora seja obrigatória. Seria justo que houvesse o fornecimento da alimentação normal (arroz, feijão, carne, macarrão), com as calorias que são indispensáveis.

Adotando um procedimento no mínimo "criativo", a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo forneceu a chamada "merenda seca", com alimentos que não precisam ser cozidos, como lanches, leite, sucos, frutas e barrinhas de cereal. Seria formidável se isso fosse distribuído regularmente às crianças, mas não foi o que ocorreu. Em muitas escolas, nem essa merenda emergencial foi providenciada.

Muitos alunos tiveram dores de cabeça, em virtude da fome com que passaram horas tentando aprender alguma coisa. Outros, sabendo dessa precariedade, deixaram de frequentar as aulas de reposição, o que acabou se transformando num honesto engodo. Houve escolas que trataram os seus alunos com bolachas de água e sal, como se isso fosse suficiente parta alimentá-los.

Alguns mestres argumentarão que ganhar mal é um enorme transtorno. Não há dúvida, mas a corda está arrebentando do lado mais fraco, que é o aluno. Mesmo na dita reposição, por exemplo, o transporte escolar também é precário, ou seja, não funciona de modo adequado.

Existe a "merenda seca", mas o "ônibus seco" ainda não foi inventado. A condução também faltou aos alunos moradores de bairros distantes. Mais uma dificuldade que não pode ser transposta.

O que resulta disso tudo é a necessidade de rever a forma de reivindicar do magistério. A greve é um recurso extremo, mas seguramente não pode sacrificar o alunado. Três meses sem aulas e uma reposição de araque fazem mal ao sistema e nem significam ganhos apreciáveis do magistério.

Os aumentos salariais solicitados pelos professores ficaram muito aquém do reivindicado e os malefícios contabilizados exigem que se rediscuta o relacionamento das autoridades com os integrantes do sistema. Ou perderão todos, o que sinceramente é uma lástima.

Folha de São Paulo, 02/08/2015