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O mundo e seu final

 

Quando não são as cenas de decapitação e outras formas bárbaras de tortura, são milhares, quase meio milhão, de migrantes fugindo do terror

Ainda bem que não é para já, embora sejam vários os sinais preocupantes. De qualquer maneira, não é uma boa notícia. Segundo o brilhante físico Stephen Hawking, os habitantes da Terra não vão sobreviver a um novo milênio, a não ser que se mudem para outro planeta, menos frágil, não tão vulnerável, e desenvolvam ali um processo de colonização. Sempre achei um desperdício de tempo e dinheiro essas viagens experimentais ao espaço em busca de outras condições de vida. Esta semana, porém, a Nasa fez uma revelação que reforça a tese de Hawking de que o futuro da humanidade está no espaço. A agência espacial americana anunciou que existem indícios concretos de água corrente em Marte, o que, segundo o chefe do Programa de Exploração daquele planeta, torna possível a vida ali.

Essa é mais uma razão para que o cientista inglês continue estimulando as incursões extraterrestres e incentivando “o interesse público pelo espaço”, onde acredita que esteja a possibilidade de se escapar do apocalipse. “Mais cedo ou mais tarde, desastres como a colisão de um asteroide ou uma guerra nuclear podem nos dizimar”. A salvação estaria em estabelecer “colônias independentes” fora do nosso precário mundinho. O comovente é como o portador de uma doença neurológica incurável se preocupa tanto com o futuro dos outros, ele, que tem o seu tão limitado.

Fui criado ouvindo dos mais velhos a exclamação “é o fim do mundo!” para expressar o espanto diante de tragédias como as bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki e, depois, quando surgia qualquer ousadia no plano dos costumes como as modas Saint-Tropez exibindo o umbigo da mulher, a minissaia, mostrando as coxas, e o casamento gay. Pura força de expressão. Hoje, o fim do mundo, no sentido quase literal, está diariamente no noticiário. Quando não são as cenas de decapitação e outras formas bárbaras de tortura, são milhares, quase meio milhão, de migrantes fugindo do terror e da miséria, comparados pelo Papa Francisco à fuga da Sagrada Família: “José, Maria e Jesus experimentaram a situação dramática dos refugiados, uma impressão de medo, de incerteza e de privações”. São também a atualização do êxodo bíblico do Velho Testamento, com a diferença de que, agora, o mar não se abre para os fugitivos passarem: os que escapam dos naufrágios não têm Moisés nem Terra Prometida, só barreiras, muros, cercas de arame farpado.

A ideia de Hawking de levar os humanos a colonizar outro planeta oferece um perigo, o de os colonizadores carregarem consigo para a nova sucursal os vícios e pragas com que contaminaram a matriz.

O Globo, 30/09/2015