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O limite da lei

 

A retórica violenta do presidente do Senado Renan Calheiros, chamando o ministro da Justiça Alexandre Moraes de “chefete de polícia”, e o Juiz que autorizou a ação da Polícia Federal contra a Polícia Legislativa do Senado de “juizeco de primeira instância”, inaugura uma nova fase na disputa de espaço político entre o Legislativo e os integrantes da Operação Lava Jato.

Desde que gravações mostraram a disposição de políticos de delimitar a ação dos investigadores, abriu-se uma guerra surda que precisará ser mediada pelo Supremo Tribunal Federal. O que está em xeque é a blindagem de políticos diante de um ativismo judiciário que nunca havia sido visto por estas plagas, e é natural que esse comportamento desestabilize um senador tido como frio como Renan Calheiros.

O que o presidente do Senado pretende com a reclamação que apresentará ao Supremo Tribunal Federal (STF), como antecipei na coluna de domingo, é impedir que a Polícia Federal e os Procuradores do Ministério Público utilizem as informações armazenadas nos computadores apreendidos na ação no Senado, alegando uma discutível proteção de foro de funcionários públicos que não estão abrangidos pelo foro privilegiado dos parlamentares.

Assim como não estava protegido o ex-ministro Paulo Bernardo, embora viva sob o mesmo teto de sua esposa, a senadora Gleisi Hoffmann. As provas eventualmente “achadas” contra senadores, na investigação sobre a Polícia Legislativa do Senado, seriam fortuitas e, portanto, não devem ser anuladas pelo STF, mas este é o objetivo de Renan Calheiros, para se proteger e aos senadores que utilizavam a Polícia Legislativa para seus interesses pessoais e políticos.

Não é de espantar que senadores de diversos partidos tenham ontem feito a defesa da atuação da Polícia Legislativa, pois sua proteção era corporativa, não partidária. Esse entrechoque entre dois Poderes, ou parte desses poderes, é conseqüência da disposição de cada um de alargar a interpretação legal para aumentar seus próprios poderes, os parlamentares buscando autonomia e a proteção da impunidade, os investigadores atrás de romper barreiras que até hoje impediam que parlamentares fossem denunciados e condenados.

O próprio presidente do Senado é um exemplo da impunidade, com oito ou nove processos rolando ano após ano no Supremo Tribunal Federal sem que seja julgado por seus atos. A interpretação alargada que dá aos funcionários do Senado a mesma proteção dos senadores serve especialmente a estes, sobretudo aos que se utilizaram dos préstimos da Polícia Legislativa como se fosse uma milícia a serviço de interesses particulares, não institucionais.

A Polícia Federal e os Procuradores do Ministério Público, por sua vez, também agem nos limites da lei e por vezes abrem mão da precaução para garantir os resultados de suas operações. Pedir autorização ao STF para a ação contra a Polícia Legislativa seria razoável, para evitar um choque institucional. Mas a Polícia Federal preferiu agir no vácuo da lei a correr o risco de não ver autorizada a ação.

O mesmo pode ser dito do Juiz Sérgio Moro, quando liberou a escuta de uma conversa da então presidente Dilma com o ex-presidente Lula que evidenciava uma tentativa de obstruir a Justiça dando o foro privilegiado de ministro do Gabinete Civil ao ex-presidente.

Moro interpretou a legislação de maneira ampla para divulgar o áudio, que impediu Lula de retomar um poder político que poderia ter mudado o cenário político à custa de mais ilegalidades acobertadas pelo Palácio do Planalto. Essa disputa de poderes só existe porque ainda estamos exercitando os limites da democracia, e mais uma vez o Supremo será chamado a mediar essa relação delicada entre Poderes.

As decisões e opiniões dos que fazem a Operação Lava Jato não podem ser canonizadas, como bem disse o ministro do STF Gilmar Mendes, nem as 10 ações contra a corrupção propostas pelo Ministério Público devem ser vistas como a os Dez Mandamentos, como pontuou o Juiz Sérgio Moro.

Mas também a imunidade parlamentar não pode justificar a impunidade para os políticos, e leis claramente inconstitucionais, como a anistia para o Caixa 2, ou extemporâneas, como a de abuso de autoridade, devem ser rechaçadas pelos que defendem a cidadania.

O Globo, 25/10/2016