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Não deixe o samba morrer

 

Até entendo que, por razões de fé, o pastor Marcelo Crivella não goste de carnaval. Basta lembrar que viajou para não assistir como prefeito ao seu primeiro desfile das escolas de samba. Alegou que “seria demagogia” comparecer. Na verdade, não seria, porque faria parte de suas obrigações protocolares como anfitrião oficial de nossa maior festa popular, indispensável fonte de alegria para o povo e de receita para o município. Aliás, ele já sabia disso quando, em campanha eleitoral, procurou os diretores das agremiações carnavalescas para comprometer-se com o presidente da Liesa, Jorge Castanheira a, se eleito, “fazer tudo para engrandecer e melhorar o carnaval. Nada para prejudicar”. E assim, com essa promessa, ganhou o apoio dos sambistas na disputa que o elegeu. 

Agora, Crivella planeja cortar pela metade a subvenção destinada às escolas do Grupo Especial. Ele diz que a medida servirá para dobrar as diárias pagas às creches privadas conveniadas com a prefeitura. O problema é que, se isso acontecer, a Liesa já anunciou, por meio do presidente, que “se o prefeito não voltar atrás, o desfile do ano que vem ficará inviável”. Diante do impasse, não seria mais prático manter a subvenção, realizar o evento que, segundo a própria Riotur, atrai mais de 1 milhão de turistas, que movimentam R$ 3 bilhões, e destinar às creches parte desses recursos? Marcelo Alves, presidente da entidade de turismo, garante que “estão engajados em fazer o melhor carnaval de todos os tempos”, mas que enfrentam um “difícil cenário financeiro”. Se estão com tantas dificuldades de grana, o que é verdade, não será uma incoerência optar por abrir mão da bilionária receita que o carnaval proporciona? 

O prefeito deve voltar da Holanda segunda-feira, de sua quinta viagem ao estrangeiro em seis meses de governo (África do Sul, EUA, Israel, Rússia) e encontrará os sambistas mobilizados. Hoje, o bloco dos descontentes promete uma batucada de protesto que vai se concentrar na porta da prefeitura e, em seguida, desfilará no Sambódromo, com um apelo musical: “não deixe o samba morrer”, verso de uma composição de Edson Conceição e Aloísio Silva, consagrada na voz de Alcione. Eles esperam que nosso alcaide globetrotter encontre uma solução satisfatória antes de mais duas viagens que pretende realizar até o mês que vem, a Miami e Paris 

Será que Marcelo Crivella quer ficar na história do Rio de Janeiro como o prefeito que deixou morrer o “maior espetáculo da Terra”?. Seria demais para a autoestima do carioca, já tão castigada.

O Globo, 17/06/2017