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A música que vinha da capela

 

No dia do meu aniversário o universo me deu um presente que gostaria de compartilhar com meus leitores.

No meio de uma floresta perto da pequena cidade de Azereix, no Sudoeste da França, existe uma pequena colina coberta de árvores. Com a temperatura beirando os 40 graus centígrados, em um verão com quase 5 mil mortos nos hospitais por causa do calor, olhando os campos de milho já completamente destruídos pela seca, não temos muita vontade de caminhar. Mesmo assim, digo para minha mulher:

- Certa vez, depois de te deixar no aeroporto, resolvi passear por esta floresta. Achei o caminho muito bonito - você não quer conhecer?

Christina olha uma mancha branca no meio das árvores, e pergunta o que é:

- Uma pequena ermida.

Digo que o caminho passa por lá, mas na única vez que estive ali, ela estava fechada. Habituados como estamos com as montanhas e campos, sabemos que Deus está por todas as partes, não é necessário entrar em uma construção feita pelo homem para poder encontrá-lo. Muitas vezes, durante nossas longas caminhadas, costumamos rezar em silêncio, escutando a voz da natureza, e entendendo que o mundo invisível sempre se manifesta no mundo visível. Depois de meia hora de subida, a ermida aparece no meio do bosque, e surgem as perguntas de sempre: quem a construiu? Por que? A que santo ou santa é dedicada?

E à medida que nos aproximamos, ouvimos uma música e uma voz que parece encher de alegria o ar ao nosso redor. "Da outra vez que estive aqui não existiam estes alto-falantes", penso, achando estranho o fato de alguém colocar música para atrair visitantes em uma trilha raramente percorrida.

Mas ao contrário do que aconteceu na minha caminhada anterior, a porta está aberta. Entramos, e parece que estamos em um outro mundo: a capela iluminada pela luz da manhã, uma imagem da Imaculada Conceição no altar, três fileiras de bancos, e em um canto, numa espécie de êxtase, uma jovem de aproximadamente 20 anos de idade, tocando seu violão e cantando com os olhos fixos na imagem diante dela.

Eu acendo as três velas que costumo acender quando entro pela primeira vez em uma igreja (para mim, para os meus amigos e leitores, e para o meu trabalho). Em seguida olho para trás: a menina notou nossa presença, sorriu, e continuou a tocar.

A sensação do Paraíso, então, parece descer dos céus. Como se entendesse o que se passa no meu coração, ela combina música com silêncio, de vez em quando faz uma prece.

E eu tenho a consciência de que estou vivendo um momento inesquecível na minha vida - esta consciência que muitas vezes só conseguimos ter depois que o momento mágico já passou. Estou ali por inteiro, sem passado, sem futuro, apenas vivendo aquela manhã, aquela música, aquela doçura, a prece inesperada. Entro em uma espécie de adoração, de êxtase, de gratidão por estar vivo. Depois de muitas lágrimas e do que me parece uma eternidade, a menina faz uma pausa, eu e minha mulher nos levantamos, agradecemos, e digo que gostaria de lhe enviar um presente por ter enchido de paz minha alma. Ela diz que sempre vem àquele lugar todas as manhãs, e essa é sua maneira de rezar. Eu insisto com a história do presente, ela hesita mas termina de dando o endereço de um convento.

No dia seguinte lhe envio um de meus livros, e pouco depois recebo sua resposta, onde comenta que saiu dali naquele dia com a alma inundada de alegria, porque o casal que havia entrado participara da adoração e do milagre da vida.

Na simplicidade daquela pequena capela, na voz da menina, na luz da manhã que tudo inundava, mais uma vez entendi que a grandeza de Deus sempre se mostra através das coisas simples. Se algum de meus leitores algum dia passar pela pequena cidade de Azereix, e ver uma ermida no meio da floresta, caminhe até lá. Se for de manhã, uma jovem sozinha estará louvando a Criação com sua música. Seu nome é Claudia Cavegir, e o endereço é Communauté Notre-Dame de L'Aurore, 63850 - Ossun, França. Com toda certeza ela ficaria muito contente se recebesse um cartão postal.

Diário do Nordeste , 14/04/2018