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Morta, ela acordou o país

 

Os criminosos que executaram Marielle Franco e Anderson Gomes talvez não imaginassem que, ao silenciá-la, eles estavam dando voz a milhares de pessoas

O Brasil e especialmente o Rio estavam anestesiados por efeito de tanta violência. Chegou ao ponto de as vítimas serem tratadas como meros números. Ela mesma perguntava: “Quantos mais precisam morrer?”. Por uma triste ironia da História, ela seria a resposta. Os criminosos que executaram Marielle Franco e Anderson Gomes talvez não imaginassem que, ao silenciá-la, eles estavam dando voz a milhares de pessoas, que também em São Paulo, Brasília, Salvador, Belo Horizonte gritavam como uma certeza: “Marielle presente”.

Há muito não se via uma mobilização como essa para protestar contra um crime, até lá fora. O correspondente da GloboNews nos EUA Jorge Pontual informou que desde a execução do líder seringueiro Chico Mendes, em 1988, uma notícia policial não merecia tanta repercussão na imprensa estrangeira. De fato, o crime foi notícia nas redes sociais e em todos os grandes jornais do mundo.

No Rio, na quinta-feira, a Cinelândia reuniu uma multidão que foi comparada a uma manifestação de protesto de 50 anos atrás. Quem fez a analogia foi o jornalista Afonso Borges, lembrando que tudo aconteceu agora a “exatos 13 dias” da data em que, em 1968, um PM assassinou o estudante Edson Luís.

Realmente, o 28 de março daquele ano foi um marco da mobilização da opinião pública em torno do movimento estudantil. Foi, como se dizia, “onde tudo começou”. O velório de Edson Luís na Assembleia Legislativa, hoje Câmara Municipal, reuniu artistas e intelectuais como Di Cavalcanti, Leon Hirszman, Joaquim Pedro de Andrade, Nelson Motta, Nara Leão. O de Marielle também contou com manifestações na escadaria do Teatro Municipal e na Alerj de artistas como Cláudia Abreu, Mariana Ximenes, Glória Pires, Drica Moraes, Julia Lemmertz, Caio Blat, Sophie Charlotte, Alinne Moraes, entre outros, inclusive Chico Buarque fazendo um rápido discurso.

Marielle carregava alguns dos ingredientes com que se fazem os mitos. Pobre, negra, bissexual, favelada, conseguiu vencer preconceitos, estudar, formar-se em Sociologia, eleger-se com a quinta maior votação e transformar-se, aos 38 anos, numa bela, carismática e corajosa líder, que menos de uma semana antes de ser morta denunciou a truculência em Acari dos policiais do temível 41º BPM, o batalhão que mais mata no Rio.

Desafiadas, afrontadas, as autoridades federais e estaduais, a começar pelo ministro da Segurança, estão prometendo, ou melhor, garantindo que esse crime, com as características de uma execução encomendada, não ficará impune. É o que se espera, porque o contrário equivalerá a um sinal verde, a uma licença para matar as/os que ousarem seguir o exemplo de Marielle Franco.

O Globo, 17/03/2018