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Lembrança de Darcy

 

Psicólogos de diversos tamanhos e feitios garantem que cada um tende a admirar pessoas e coisas diferentes de nós e das nossas. Acho que não é verdade, mas sempre admirei o finado senador e acadêmico Darcy Ribeiro na sua capacidade de perceber o cheiro das mulheres da Namíbia, lá do outro lado do Atlântico, que o meu amigo Alberto da Costa e Silva chama de rio a separar dois continentes.


Explica-se: Darcy morava em Copacabana, ali pela altura do Posto 5. Acordava e sorvia o ar que vinha do oceano. E jurava que sentia o cheiro das mulheres de lá, o bodum das negras queimadas e suadas pelo rigor do sol africano. Não sei se ele se excitava com tal sorvo, tratava-se de um ilustre antropólogo, que sabia das coisas.


Quando soube disso, tratei eu próprio de aspirar fortemente, o nariz voltado para a África tão distante. Enchi os pulmões, sorvi em largas poções o ar que me circundava, não senti cheiro nenhum, a não ser o de uma elevatória de esgoto.


Bem, além de antropólogo, Darcy era poeta, via e sentia coisas que me são vedadas. Houve aquele santo confessor que era muito popular entre os penitentes. Os fiéis o procuravam para ouvir seus pecados. Outros confessores reclamavam, ficavam às moscas nos confessionários, não davam ibope. Perguntaram ao santo qual era o seu segredo, e ele respondeu modestamente: 'Eu sei ouvir'.


Acho que o meu problema em relação ao Darcy é que, entre outras qualidades que me faltam, não sei cheirar. Lembro Napoleão, que, ao escolher auxiliares civis ou militares, dizia preferir aqueles que tivessem nariz grande, capazes de maior absorção de cheiros. Daí talvez a expressão: 'Isso não me cheira bem'. Antigo senador, Darcy talvez sentisse que o Senado atual não está cheirando bem.


Folha de S. Paulo, 13/8/2009