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A janela de Overton

 

A surpreendente declaração do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), comparando a anistia ao Caixa 2 eleitoral à repatriação de dinheiro levado para o exterior não declarado no Brasil, reforça a ideia de que ele está respaldando, com sua posição de presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a tentativa dos políticos denunciados na Operação Lava Jato de encontrarem uma saída legislativa que os livre de condenações criminais nos processos a que respondem no STF.

Esse movimento crescente dos políticos para aprovar uma anistia aos que usaram dinheiro ilegal nas campanhas eleitorais, distorcendo o jogo político, vem de longe, quando pela primeira vez lançou-se a ideia de uma anistia ao Caixa 2. A comparação com a anistia que permitiu a repatriação do dinheiro mandado no exterior não encontra abrigo nos fatos, pois para legalizar esse dinheiro mandado para fora do país o contribuinte, além de pagar multa e impostos, tem que provar sua origem legal.

A lei proíbe a repatriação de dinheiro oriundo de crimes, pois atinge apenas o dinheiro lícito. Mas abriu brecha para a anistia a crimes como falsificação de documentos público e particular, falsidade ideológica, uso de documento falso, todos previstos no Código Penal, o que deve interessar aos políticos acusados. Afinal, um dos crimes de que podem ser acusados é o de não ter declarado à Justiça Eleitoral todos os recursos utilizados na campanha, uma falsificação da declaração oficial.

Quem acompanha a movimentação pela anistia ao que chamam genericamente de Caixa 2 já antevê que uma lei desse tipo dará respaldo aos acusados, que irão para a Justiça alegar que foram anistiados. Mas, e os crimes de corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro? Tudo isso acabará tendo que ser definido pelo Supremo Tribunal Federal, que determinará os limites da aplicação da nova lei, ou a considerará inconstitucional.

O que o STF decidir influenciará os demais julgamentos da primeira instância, e no mínimo proporcionará que os advogados recorram de decisões que sejam diferentes das do Supremo. Mas, como um assunto como esse já se tornou banal a tal ponto que um ministro do Supremo se considera em condições de defender a normalidade de uma anistia ao Caixa 2, mesmo advertindo que os casos terão que ser analisados “no momento oportuno”? 

É aí que entra a teoria da Janela de Overton, criada por Joseph P. Overton, um ex - vice presidente Mackinac Center for Public Policy, um centro de estudos liberal nos Estados Unidos, que morreu prematuramente aos 43 anos em um desastre de avião. Overton imaginou uma “janela” onde as teses que são aceitas pela sociedade naquele momento determinado podem ser defendidas pelos políticos.

Seriam teses “aceitáveis” ou “populares”. Se ideias “impensáveis” ou “radicais” forem defendidas, elas saem da “janela” e o político não ganha votos. Portanto, os políticos defendem as teses “populares”, e não o que realmente pensam.

Mas a sociedade muda com o passar do tempo, e ideias antes “impensáveis” podem se tornar “aceitáveis” para a maioria. Foi o que aconteceu, por exemplo, com o casamento de homossexuais. Mas há também quem queira alargar a “janela”, criando situações que tornem ideias “radicais” em “aceitáveis”. No momento, a discussão sobre a descriminalização do uso de drogas, começando pela maconha, está nesse processo de tentar alargar sua aceitação na sociedade.

E é o que também acontece com a anistia ao Caixa 2. Usada assim genericamente, a discussão transforma todos os crimes em questões menores, que podem ser anistiados. Se a discussão fosse em torno da anistia à corrupção, que é o que realmente acontecerá se for vitoriosa a tentativa de tornar o tema palatável, a rejeição da sociedade seria enorme.

Por isso, é preciso banalizar a questão, comparando-a a temas já aceitos pela sociedade, como a repatriação de dinheiro colocado ilegalmente no exterior. Aliás, a própria repatriação já foi um tema “impensável” até se tornar “aceitável” como política governamental.     
 

O Globo, 25/03/2017