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Em nome do pai

 

Em nome das baleias que circulam impunemente nas águas do nosso imenso litoral e estão em condenável fase de extinção; em nome do formidável rio São Francisco que nunca será desviado para matar a sede dos nossos irmãos nordestinos; em nome do Padre Cícero que intercede junto ao Senhor a favor dos mesmos e briosos nordestinos que são personagens obrigatórios do nosso cinema nacional; em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, homônimo do Estado que tem o seu santo nome; em homenagem ao pornográfico autor teatral, biografado pelo Ruy Castro e que gostava de citar as cotias do jardim da praça da República; em nome das mesmas cotias que nunca fizeram mal a ninguém; em nome dos lixeiros deste país, que esquecem o lixo na porta das casas que nunca contribuem para as festas do Natal e do próspero Ano Novo; em nome da bondosa e pia catequista de Japeri, dona Dilma dos Santos Anjos, nascida Carmem Sardinha; em nome de Moerís Paiva Gonçalves, que iniciou todos os meninos da rua Cabuçu nas artes da fornicação; em nome dos valorosos Soldados do Fogo que chegam atrasados para, segundo os jornais, "debelarem os focos das chamas" – segundo os mesmos jornais: em nome da caridosa irmã Zélia, que merece a glória dos altares mas que o governo brasileiro não tem dinheiro nem para pagar as custas do processo que corre no Vaticano; em nome do meu compadre Augusto Pinheiro, cuja cara e cujos óculos são parecidos com cara e óculos do meu filho Benjamim, que por sinal já nasceu de óculos; em homenagem póstuma a Dana de Teffé, cujos ossos nunca foram encontrados; em homenagem às antigas e falecidas palmeiras do mangue que não viviam nas areias de Copacabana; finalmente, em nome de mim mesmo, que não votei "sim" ou "não" para mudar e continuar como sempre fui. 

Folha de São Paulo (RJ), 24/04/2016