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E se Deus negar?

 

Apartir de hoje, a Polícia Militar e a Guarda Municipal vão agir em parceria no policiamento da orla para reprimir os arrastões que aterrorizam os banhistas nos fins de semana. É uma medida acertada numa semana em que o novo prefeito, às voltas para acomodar aliados evangélicos, se complicou, errou e teve que voltar atrás de vários enganos, como readmitir 51 diretores que haviam sido exonerados. No episódio mais vexaminoso, ele atribuiu “grave doença” ao professor Paulo Cezar Ribeiro para desconvidá-lo a assumir a presidência da CET-Rio. Pior: descoberta a confusão, ele tentou repassar a culpa da gafe ao repórter que apenas fez a pergunta. Esqueceu que havia uma gravação em que ele mesmo, faltando com a verdade, afirmou que a falsa informação era do próprio professor que, ao saber do “diagnóstico”, reagiu às gargalhadas: “Isola! Estou muito bem de saúde”. Como pastor e como prefeito, Crivella não deu um bom exemplo. Era mais elegante, com o mesmo bom humor do desconvidado, pedir-lhe desculpas.

Outra medida discutível foi a nomeação para presidente do Procon-Rio do bispo Jorge Braz, da Igreja Universal do Reino de Deus, apesar da falta de credenciais para o cargo. Nos 12 anos como vereador, ele apresentou oito projetos de lei, quatro dos quais relacionados com temas religiosos. Apenas um tinha a ver com consumidores: o que obriga restaurantes a fornecer cafezinho após as refeições, como se esse fosse o principal sonho de consumo dos cariocas.

Minha implicância não é com a religiosidade do prefeito, é com o indevido uso político dela, seguindo o projeto de poder de seu tio, o bispo Macedo, líder máximo da Iurd. Tive amigos evangélicos como os luteranos Glauber Rocha e o pastor alemão Johannes Schlupp, a quem devo — eu, um ex-coroinha — meu primeiro emprego como professor no seu Colégio Cêfel, em Nova Friburgo.

Só espero que Crivella, diante das dificuldades de cumprir suas dezenas de promessas de campanha, não imite o seu colega da cidade de Santo Antônio de Pádua, que, sem saber o que fazer, baixou o seguinte decreto: “Fica entregue a Deus a administração desse município”. É uma sábia maneira de tirar o corpo fora no caso de um fracasso de gestão. Para qualquer reclamação, dirijam-se não ao prefeito, mas a Ele. O problema é a resposta à pergunta que faz o delicioso “Partido alto”, de Chico Buarque:

“Diz que Deus dará

Não vou duvidar, ô nega

E se Deus não dá

Como é que vai ficar, ô nega”.

O Globo, 14/01/2017