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A doença social

 

Na Londres do século 19, um imposto facilitou muito a disseminação da tuberculose. Esta afirmação certamente surpreende o leitor, mas ela é explicável. O imposto em questão incidia sobre janelas. Exatamente, sobre janelas (a fúria fiscal não é de hoje). Para ter uma janela era preciso pagar. Resultado: os pobres, que não tinham dinheiro, também não tinham janelas nos tugúrios em que viviam, numa época em que a Revolução Industrial trazia milhares de pessoas para as cidades, em busca de trabalho. Famílias numerosas viviam confinadas, num ambiente sem renovação do ar. O micróbio da tuberculose não poderia pretender melhores condições para se propagar. Tornou-se a “peste branca”, expressão que aludia à “peste negra”, a peste bubônica que, no início da modernidade, devastou a Europa. Era a enfermidade de artistas, de poetas, de escritores: Castro Alves, Álvares de Azevedo, Manuel Bandeira, entre outros, estavam entre os tísicos famosos no Brasil.


O imposto sobre janelas foi abolido, mas outros problemas surgiram, não ligado às casas, mas à ausência destas. A disseminação da doença hoje está muito ligada aos homeless, estas pessoas que a gente vê nas grandes cidades, dormindo sob as pontes ou empurrando pelas ruas os carrinhos de supermercado com seus poucos pertences. Muitos deles têm distúrbios mentais, o que torna a situação ainda mais difícil. Sabe-se que muitos são portadores de tuberculose, ativa ou latente, mas, exatamente por causa de sua mobilidade e de seu paradeiro incerto, as investigações a respeito são inevitavelmente incompletas.


As primeiras estimativas nos Estados Unidos (onde a população de homeless é bem grande) falavam de uma prevalência de até 50% de tuberculose latente (isto é, sem manifestações clínicas) e de até 7% de tuberculose ativa, muito mais alta do que na população em geral. Dos 185.870 casos registrados entre 1994 e 2003, 11.369 ocorreram entre os homeless. Pior, a doença estava associada com outros problemas de saúde: 54% eram etilistas e 30% usavam drogas, injetáveis inclusive. Quanto ao acompanhamento desses casos, um estudo feito em Londres (2007) mostrou que os homeless, junto de prisioneiros e drogaditos, representavam as situações de mais difícil controle: 44% abandonavam o tratamento, que é longo e deve ter continuidade.


No Brasil, os dados são escassos, mas, de acordo com o serviço de Tuberculose da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, o número de casos triplicou entre a população de rua: em 1996 foram registrados 50 casos da doença, e dez anos depois eram 153 os doentes de tuberculose.


Muitos dos habitantes de rua recusam (em geral por causa de seus problemas mentais) a moradia. Mas outros vivem desta maneira porque não têm alternativa. Daí a importância dos programas de habitação popular, como aquele que agora está sendo lançado pelo governo federal e vários governadores. São várias as condições para que a pessoa possa ser tratada de sua tuberculose, mas ter um endereço é uma das primeiras.


A Notícia (SC), 1/6/2009