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Do bom e do pior

 

A verdade é que o MinC morto acabou sendo mais valorizado do que em vida, quando acumulou mais dívidas do que elogios.

Nestes movimentados primeiros oito dias do governo Temer, houve um pouco de tudo, do bom e do pior. Entre os acertos está, segundo os analistas, a escolha da equipe econômica, com Henrique Meirelles à frente. Um destaque para o novo presidente da Petrobras garantindo que não haverá indicações políticas, isto é, cessa o aparelhamento partidário que, pela corrupção, transformou uma empresa que era orgulho em vergonha nacional. Como um bom paradoxo, a constatação de que as melhores escolhas de um governo misógino foram duas mulheres: Maria Silvia Bastos para o BNDES e Flávia Piovesan para a Secretaria de Direitos Humanos. 

No quesito polêmica, a extinção do Ministério da Cultura, uma medida precipitada que mobilizou a classe artística num protesto como há muito não se via. Entre as muitas convidadas ou sondadas que recusaram o cargo de secretária, houve até quem recusou o que sequer recebeu, o convite ou a sondagem. A verdade é que o MinC morto acabou sendo mais valorizado do que em vida, quando acumulou mais dívidas do que elogios. Chegou a dar calote até em prêmios, como fez com a artista plástica Thereza Miranda, que até hoje não recebeu os R$ 300 mil do Prêmio Marcantonio Vilaça, concedido pela Funarte há sete meses. É possível que Temer agora consiga pacificar a área com a escolha de Marcelo Calero, que teve um bom desempenho ocupando o cargo equivalente na prefeitura do Rio e chega às novas funções querendo diálogo e, o que é mais importante, prometendo sanear a herança deixada, pagando as dívidas acumuladas. Thereza, aos 87 anos, agradece.

O que parece não ter conserto é a decisão do presidente interino de nomear como seu líder na Câmara o deputado André Moura, que tem como credenciais a amizade com Eduardo Cunha e sua folha corrida, onde aparece como réu no STF, como condenado por improbidade administrativa e com inquéritos na Lava-Jato, além de tentativa de homicídio. Temer poderá alegar que, embora Moura pertença ao PSC, um partido com apenas nove deputados, representa o centrão, que, com seus 304 membros, facilitará a aprovação dos projetos impopulares que pretende lançar, embora isso lhe custe a suspeita de ser refém de Cunha. Para desfazer essa impressão, o presidente afastado da Casa afirmou, enquanto se explicava na comissão de ética: “Não tem um alfinete no governo Temer indicado por mim”. Nessa altura, os conhecidos alfinetes não estavam nem aí. Aliás, o grande momento do show em que, durante nove horas, ele negou mais uma vez ter dinheiro lá fora — tudo é do trust — foi quando o deputado Júlio Delgado quis saber quem tinha bebido o vinho de mil dólares numa de suas milionárias viagens ao exterior: “O senhor ou o trust?” 

Para desmoralizar o cinismo, só mesmo o humor e a ironia.

O Globo, 21/05/2016