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Dilma na mira

 

A prisão do ex-ministro Guido Mantega, mesmo revogada horas depois por razões que analisaremos em seguida, tem um significado maior do que ela mesma. Os procuradores de Curitiba frisaram bastante o fato de que Mantega era o presidente do Conselho de Administração da Petrobras quando pediu financiamento para pagamento de dívida de campanha a Eike Batista, ligando o fato à licitação vencida por consórcio integrado pela OSX para a construção de sondas para a estatal petrolífera.

O mesmo aconteceu quando a então ministra Dilma Rousseff presidia o Conselho de Administração da Petrobras, e foi autorizada a compra da refinaria de Passadena, nos Estados Unidos, que está sendo investigada como uma grande negociata que deu prejuízos bilionários à Petrobras e vantagens financeiras ao Partido dos Trabalhadores.

Está aberto o caminho para juntar as pontas de diversas delações premiadas que acusam a presidente cassada Dilma Rousseff de ter recebido favores de empreiteiras e empresários pelo menos para o financiamento de suas campanhas presidenciais.

Nesse caso da prisão temporária do ex-ministro Guido Mantega, que acabou revogada pelo Juiz Sérgio Moro em caráter humanitário, devido à cirurgia para tratamento de um câncer a que sua mulher seria submetida momentos depois que a ordem de prisão foi dada, as datas são fundamentais para encadear o desenrolar dos fatos, não apenas do ato de corrupção ativa de que Mantega é acusado, mas também da suposta “desumanidade” cometida pelos membros da Operação Lava-Jato ao dar voz de prisão ao ex-ministro dentro de um hospital.

Para começar, o depoimento do empresário Eike Batista foi dado espontaneamente ao Ministério Público em Curitiba em maio deste ano, como estratégia de antecipação a possíveis ações da Operação Lava-Jato. Queria ser testemunha, e não delator. Em agosto o Juiz Sérgio Moro acatou o pedido de prisão, mas apenas a temporária, não provisória, como pediam dos Procuradores.

A operação só foi deflagrada ontem por que, entre outras razões, a Polícia Federal estava dedicada às Olimpíadas e Paralimpíadas. Como o Procurador Jorge Fernando de Souza explicou candidamente na entrevista coletiva, só seria possível saber que a mulher de Guido Mantega seria operada ontem se ele estivesse sendo monitorado e grampeado, para o que não havia autorização judicial. “Essa infeliz coincidência poderia ocorrer com uma pessoa pobre, da mesma maneira”, lamentou o Procurador.

A alegada “monstruosidade” cometida contra a família Mantega é parte da politização com que o PT e seus acólitos, especialmente blogueiros, tentam combater os fatos apontados pela Operação Lava-Jato. Mantega é um samurai, definiu certa vez um amigo íntimo para explicar que o ex-ministro absorve os golpes com altivez e segue a vida.

Assim como não reagiu indignado com a ação da Polícia Federal, nem mesmo tentou impedi-la através do seu advogado, o ex-ministro Mantega continuou trabalhando normalmente mesmo quando teve a notícia, em dezembro de 2011, de que sua mulher tinha um câncer.

Houve boatos de que ele até mesmo deixaria o ministério da Fazenda, mas isso só aconteceu em janeiro de 2015. Tendo assumido o ministério da Fazenda a 27 de março de 2006, ainda no governo Lula, Mantega tornou-se o mais longevo ministro da Fazenda, superando a marca do ministro Pedro Malan, que permaneceu na pasta de 1 de janeiro de 1995 até 1 de janeiro de 2003, no governo de Fernando Henrique Cardoso. Bater essa meta era uma de suas obsessões, e sabe-se agora que ele continuou atuando em suas funções, oficiais e oficiosas, integralmente, pois foi em 2012 a reunião com Eike Batista em que ele é acusado de ter feito o pedido de financiamento de uma dívida de campanha eleitoral de 2010.

A agenda oficial daquele dia 1 de novembro de 2012 confirma que ele esteve com Eike Batista em seu gabinete, embora tenha querido negar esse encontro. E mais: duas horas antes, ele despachara com a própria presidente Dilma no Palácio do Planalto. E, mesmo depois de ter quebrado o recorde de Malan, ele se manteve firme no cargo, como bom samurai, virtualmente demitido pela presidente Dilma em uma declaração de debate eleitoral em que deu a entender que, reeleita, Mantega não continuaria.

Foi no dia 7 de setembro de 2014, quando Dilma disse: “Governo novo, equipe nova”.  Vê-se, portanto, que Guido Mantega é antes de tudo um estóico. Mas o Juiz Sérgio Moro, diante de acusações de que seria um monstro de insensibilidade, preferiu abrir mão da lei e adotou uma medida humanitária e política, que pode ser considerada tão ilegal quanto a prisão temporária que decretou sem que houvessem reais motivos para tal, já que foi revogada horas depois.

No despacho em que revogou a prisão, o Juiz Moro diz que nem ele, nem a Procuradoria e a Polícia Federal sabiam que ''o ex-ministro acompanhava o cônjuge acometido de doença grave em cirurgia.” Revogou a ordem de prisão temporária, “sem prejuízo de providências posteriores”. O que indica que este caso ainda não terminou.

O Globo, 23/09/2016