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Roberto Simonsen

 

                      A FUNÇÃO DOS HOMENS DE NEGÓCIOS

Conferência no Mackenzie College, a 19 de novembro de 1920, como paraninfo dos bacharelandos em comércio.

                                                       [...]

 

                                 A “ALMA” DAS PROFISSÕES

 

Com efeito, nos países envolvidos na luta, indivíduos que eram considerados como dominados pela avidez do ganho souberam impor-se à admiração geral pelo seu ânimo de sacrifício e dedicação pela causa pública. Poderia ter isso acontecido se da carreira que abraçaram não lhes adviessem ideias e propósitos elevados? Qual é esse espírito, essa força viva que operou milagres e que orienta a ação dos bem intencionados na vida de negócios? Qual é, em suma, a “alma” dos negócios? É o que Jenks procura responder, fazendo a analogia das profissões.

Os cultores das chamadas profissões liberais admitem que o fim imediato de seus trabalhos não seja o ganho de dinheiro, ainda que do seu exercício tirem os meios de subsistência; reclamam para si ideais mais alevantados. Esses ideais, que constituem fundamentalmente a alma de suas profissões, inspiram e dirigem soberanamente sua vida. Os cultores do Direito definem a alma de sua profissão como sendo servir a humanidade pela aplicação da justiça; os discípulos de Hipócrates servem a humanidade, aliviando e prevenindo o sofrimento, mantendo ou lhe restituindo a saúde. Os teólogos, sejam eles de qualquer crença, servem a comunidade procurando estabelecer as boas relações entre os homens e os poderes divinos. A alma da Engenharia, eu a definiria como sendo a preocupação de servir a humanidade proporcionando-lhe o máximo conforto pelo uso inteligente das grandes forças da natureza, que ela pesquisa incessantemente.

No entanto, quando se pergunta a um homem de negócios - Para que fim trabalhas? Quase por certo responderá: “Para ganhar dinheiro.”

Esta réplica, oriunda da falta de compreensão da ação que ele exerce na sociedade, não exprime absolutamente a alma, o ideal, o fim superior dos que abraçam com consciência a carreira dos negócios.

O que, afinal, caracteriza as profissões a que acima me refiro? - São carreiras para as quais o homem se prepara por estudos especiais, exercendo-as com obediência a elevados ideais, mas também pela necessidade de ganhar a vida. Nessas profissões, existe o predomínio da ciência e a aplicação de seus ensinamentos na vida social.

Não terá a profissão dos negócios, exercida com superioridade e consciência, os característicos de uma profissão científica e uma importância e dignidade perfeitamente comparáveis às das demais profissões?

 

                 RESPONSABILIDADE DOS HOMENS DE NEGÓCIOS

A origem do preconceito dos que não consideram devidamente o negociante, mesmo na caso em que exerça em sua plenitude a sua carreira, isto é, como “administrador de negócios”, reside no fato de serem esses homens, geralmente, formados pela prática.

Entretanto, mal sabem os que só aferem o valor de quem quer que seja pelos diplomas obtidos nos bancos escolares - censores esses os quais se pode, seguramente, qualificar de míopes - que os verdadeiros negociantes adquirem nos rudes embates na luta diária, larga cópia de conhecimento científico, que vão aplicando na sua vida cotidiana quase que por intuição.

E cada dia se torna mais importante a necessidade de vasto preparo intelectual para o negociante, pois cada dia se descortinam novos e dilatados horizontes para seu campo de ação.

Na indústria manufatureira, por exemplo, ele necessita ter conhecimentos de Física, Química e Metalurgia. Tem que satisfazer os produtores da matéria-prima e os consumidores dos produtos manufaturados. Nas suas relações com o pessoal, surgem os maiores problemas sociais que se agitam em nossa época. Potencialmente, ao menos, ele deve apresentar algo de cientista, advogado, administrador, juiz, confidente e amigo. E assim é sabido que, exercida como ciência, a carreira de negócios é por certo das mais difíceis.

 

                                    A “ALMA” DOS NEGÓCIOS

 

A alma da ciência dos negócios, encarados sob um ponto de vista superior, foi definida como sendo “a prestação de serviços à sociedade nas questões atinentes às suas relações econômicas, empregando a verdade e promovendo o desenvolvimento do sentimento da responsabilidade individual”.

Com efeito, consciente ou inconscientemente, todo negociante serve à sociedade, pois que os negócios de cada indivíduo se desenvolvem de modo a promover o bem-estar público. Todo aquele que exerce a carreira comercial, com superioridade e competência, está em situação de poder prestar diretamente serviços à causa pública pela sua experiência, nas questões de ordem comercial e financeira.

É, porém, procurando bem satisfazer as necessidades dos consumidores que o homem de negócios melhor serviço presta à comunidade. Vede o exemplo de Henry Ford, o criador do veículo econômico ao alcance das multidões; como avaliar a grandeza do serviço que prestou à sociedade, enriquecendo-se ao mesmo tempo? Já ouvi de um distinto profissional que o Ford e a foice são atualmente os maiores colaboradores dos paulistas, no desbravamento dos nossos sertões.

A noção de serviços é ainda bem compreendida pelo exame das relações entre patrões e operários.

É evidente o princípio econômico de que o salário deverá acompanhar sempre o valor dos serviços prestados e não ultrapassar esse valor. Surge aí a questão do salário científico baseado na eficiência da produção.

Entretanto, é preciso não esquecer que os patrões, tratando de bem servir os interesses dos operários, cuidam sabiamente dos próprios e vice-versa. O fator dominante na concepção do serviço é a lealdade.

Agindo com esse idealismo prático é que se poderá chegar à tão almejada conjugação de interesses entre o patrão e o operário, alcançando este o horário e o salário mais convenientes e o patrão a máxima eficiência na mão de obra e consequentemente na produção.

Maior e melhor produção, trazendo maior remuneração ao pessoal e refletindo no bem-estar da comunidade. É nas empresas em que dominam essas ideias que menos se veem greves.

 

                                     VERDADE E CARÁTER

 

O uso da verdade na carreira dos negócios é de necessidade fundamental.

O negociante só adquire uma posição estável sendo verdadeiro em servir aos consumidores. Compreende-se como uma consequência o valor do caráter nos negócios, pois nele é que se baseia o crédito.

 

                    O SENTIMENTO DA RESPONSABILIDADE

 

Finalmente, é pelo desenvolvimento do sentimento da responsabilidade individual que se conseguem prodígios na produção e até mesmo a integração do operário na sociedade.

O conhecimento dessa circunstância é que tem permitido grandes feitos da humanidade.

Lesseps, que alcançou realizar, em condições penosíssimas, um dos prodígios da Engenharia de que muito justamente se orgulha a nossa civilização, era um admirável condutor de homens. E declarava que obtinha tudo de seus operários, — recrutados na sua maior parte entre gente da pior espécie, em lhes demonstrando estima e persuadindo-os de que trabalhavam em uma obra de interesse universal e despertando, em cada um, o sentimento de sua responsabilidade. Doutro lado, muitos dentre vós devem conhecer reproduções do famoso quadro humorístico de Weber:

“Uma fantástica visão de uma oficina onde os operários estão transformados em máquinas e onde todos os braços manobram ao mesmo tempo, movidos por correias de transmissão — lendo-se sobre as pobres fisionomias emagrecidas dos homens-máquinas a ânsia desesperada de escapar ao cruel motor.”

Crítica muito cabível ao industrialismo mal orientado.

Justificam-se assim os princípios fundamentais apresentados por Jenks como regendo superiormente o espírito das transações, como constituindo a sua “alma”: “prestação de serviços, verdade e sinceridade das transações e o estabelecimento do princípio da responsabilidade individual.”

São esses preceitos que fazem dos negócios uma ciência viva; são eles que também conduzem à verdadeira democracia do trabalho.

Essas mesmas normas, generalizadas, nas relações sociais e políticas, conduzem ao ideal republicano.

As “almas” de todas as profissões têm um fundo semelhante: vivificam o trabalho do homem em suas variadas manifestações e agem em conjunto para a elevação do nível da civilização.

 

                                        A ESTRADA REAL

 

Devo prevenir-vos que, por muitas ocasiões, em vossa vida prática, se apresentarão atalhos duvidosos, que conduzem mais rapidamente a um fim imediato e que se afastam do idealismo prático a que me venho referindo; fugi deles, porém, pois nunca apresentarão resultados compensadores.

Não pode haver satisfação mais íntima, recompensa maior, do que a vitória obtida pela estrada real, sob a ação superior de um ideal elevado.

As transações comerciais invadem a vida em todas as suas demonstrações diárias, entrando intimamente de casa em casa, de povo em povo, em todos os países; quando esta compreensão superior dirigir o comércio nas suas mínimas manifestações, ele será ainda maior fator do que é hoje na promoção do progresso humano!

 

                                 OS NEGÓCIOS E A PÁTRIA

 

Incidentemente, penso ter dado uma ligeira ideia dos deveres do homem de negócio para consigo mesmo, para com o seu governo e para com a sociedade, salientando a grande importância dos profissionais dos negócios e o muito que podem influir no bem-estar de sua pátria, ombreando-se nesse mister com os que exercem as chamadas carreiras científicas.

Praticamente, nove décimos das questões que afetam a nossa vida social têm sua origem nos domínios econômicos. Basta citar todas as questões de salários, de transportes, tudo que diz respeito à nossa vida material...

É ainda de vossa iniciativa e da direção enérgica e capaz que souberdes dar ao desenvolvimento das riquezas de nosso país que dependerá a sua entrada em competição vitoriosa com as outras nações, em intercâmbio que nos seja favorável.

Infelizmente, no Brasil, temos ainda os grandes problemas de organização econômica a resolver e é da experiência e da atuação dos homens de negócios que devem surgir as soluções mais adequadas.

É preciso que nossos homens de governo compreendam que a inferioridade na instituição de defesas econômicas nacionais implica um verdadeiro atentado à nossa liberdade, obrigando-nos, no terreno das permutas, a dar o que é nosso por muito menos que seu justo valor...

Conscientes das responsabilidades da profissão que abraçastes, deveis caminhar altivos visando sempre aos ideais elevados. E haveis de ser bem-sucedidos na vida pelo vosso esforço, pelos ensinamentos que recebestes deste grande instituto que honra o ensino: o Mackenzie; pela sinceridade e compreensão com que aplicardes essas ideias, em benefício da sociedade e em proveito da nossa Pátria.

 

                                                            (À margem da profissão, 1932.)

 

                                   HISTÓRIA BRASILEIRA

 

                                                             [...]

 

Mas ficam esboçadas, em largas pinceladas, as grandes tendências econômicas que se verificaram em épocas imediatamente anterior e contemporâneas com as da existência do Brasil. O rápido enriquecimento decorrente do comércio com o Oriente foi o detonador de uma revolução ecônomo-política-social, a maior de todos os tempos. Contrapondo-se ao sistemático programa de governo adotado por Portugal e aí seguido durante 80 anos até a descoberta de um acesso à Índia pelo périplo africano, os espanhóis, por espírito aventureiro, procuraram, com Colombo, alcançar o Oriente pelo Ocidente, descobrindo as Antilhas.

Mais tarde, ingleses, holandeses e franceses, objetivando a mesma via pelo Norte, para a conquista dos mercados asiáticos, descobriram as regiões setentrionais do continente americano. A preocupação mercantil de lucro já se traduz na mensagem de Colombo, quando, comunicando à Corte espanhola a sua descoberta, propõe, com aquele propósito, a escravização e o tráfico dos autóctones.

As primeiras expedições portuguesas da Ásia voltaram enriquecidas com produtos resultantes das trocas ali efetuadas, acrescidos, em grande parte, de frutos do saque e dos tributos impostos. Era a mentalidade da época.

Os saques aos tesouros das antigas civilizações americanas dos Incas e dos Astecas despertaram a atenção de todo o mundo para o continente colombiano, promovendo a ação político-colonial da Espanha e as investidas das nações rivais.

No Brasil, onde só constava, de início, a existência de pau-brasil, bugios e papagaios, não se justificava uma larga exploração mercantil à moda do tempo.

Que o espírito já não era o dominante e cedia lugar ao mercantil, prova-o o próprio nome dado à nossa terra que, de Vera Cruz ou Santa Cruz, como fora oficialmente batizada, teve esse nome alterado para a da riqueza que então se supunha principal. João de Barros, em sua acrisolada fé cristã, já clamava que “por artes diabólicas se mudava o nome de Santa Cruz, tão pio e devoto, para o de um pau de tingir panos.”

A Europa, ainda pouco povoada, não tinha necessidade, por motivos demográficos, de promover emigrações. A ambição dos grandes Estados absolutos norteava-se para um maior enriquecimento, do qual derivaria o poder militar. Foram, pois, principalmente de ordem econômica, os fatores dominantes, no início da exploração da América.

No estudo que vamos empreender, procuraremos fazer um trabalho sinceramente objetivo, visando focalizar os fatos ligados às atividades econômicas do homem em nossa terra, desde a sua descoberta, analisando a formação econômica que acompanhou a da sociedade brasileira.

De partida, devemos assinalar que são profundas as diferenças das condições em que se processou a nossa economia, comparativamente com as das demais nações, cujas vidas principiaram contemporaneamente com a nossa. A fase inicial das colônias espanholas se assinala com a exploração dos metais ricos, pelo aproveitamento do trabalho servil das populações autóctones. Apesar de serem aventureiros os primeiros exploradores, houve mais tarde a preocupação, por parte dos espanhóis, da seleção dos elementos que partiram para prosseguir a colonização branca. Posteriormente, quando se passou à fase da exploração de produtos tropicais, foi bastante intensa a remessa do escravo africano para as Índias de Castela.

Nos Estados Unidos, a colonização foi iniciada um século depois da nossa e em condições excepcionais. De fato, os colonos europeus que para ali seguiram, eram constituídos em grande parte de elementos escolhidos que se retiravam da terra natal, principalmente por motivos religiosos. Encontraram no solo americano um ambiente igual ou superior ao que tinham deixado, quanto ao clima, produtividade e riquezas naturais. A zona temperada e fria da América do Norte é excepcionalmente favorável ao imigrante europeu, cuja evolução biológica melhorou, mesmo sem cruzamento, conforme tem sido verificado nos estudos ali realizados. O meio físico em tudo facilitava ao novo imigrante o acesso ao interior. (1)

No Brasil, sem encontrar, a princípio, os metais preciosos, compelidos, por circunstâncias que teremos oportunidade de analisar, a ocupar efetivamente a terra, foram os portugueses forçados a recorrer à agricultura, a fim de assegurar a base e o rendimento da nova colônia. Deparando um meio pouco atraente ao elemento europeu, e adstrito a produções tropicais, para aqui trouxeram uma grande massa de população africana, que se reuniu à população autóctone, povo primitivo, ainda na idade da pedra polida. Com tais elementos, o diminuto contingente de brancos formou uma civilização inteiramente nova, em ambiente reconhecidamente difícil.

Mera colônia de exploração, a princípio, colônia mista de povoamento e de exploração mais tarde, é interessante acompanhar, ainda que sinteticamente, a evolução das atividades econômicas aqui exercidas pelos primeiros habitantes, a formação dos núcleos sociais, o nascimento do espírito de autonomia econômica e política, as aplicações de instituições econômicas europeias numa grande massa em que avultavam povos incultos daqui e da África, num meio inteiramente novo e pouco conhecido.

Focalizados os característicos de nossa evolução econômica, procuraremos projetá-la sobre os acontecimentos que se processavam na Europa e contra o plano de evolução dos demais países americanos que, contemporaneamente conosco, se fizeram e cresceram.

Neste estudo evolutivo e comparativo, envidaremos explicar a razão das etapas de nosso processo econômico, nas diferentes épocas e no momento atual. Estudando a história econômica do Brasil, verificaremos os períodos em que a colônia, em seus primeiros passos, foi deficitária à Coroa portuguesa. Apontaremos as fases em que determinadas zonas econômicas deram saldo real em sua exploração, enquanto outras se apresentavam em situação deficitária.

 

  1. Faulkner, American Economic History.

 

 

                                                           (História econômica do Brasil, 1937)