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Discurso de posse

MISSÃO DA ACADEMIA:
REESCREVER O FUTURO

Sra. presidente,

Sr. representante do Exmo. Presidente da República,

Senhoras e senhores acadêmicos,

Senhores cardeais,

Senhores governadores de Minas Gerais e da Bahia,

Sra. prefeita e Sr. prefeito eleito de Salvador,

Digníssimas autoridades civis e militares,

Senhores embaixadores,

Sra. Risoleta Tolentino Neves,

Queridos familiares,

Senhoras e senhores,

UM AGRADECIMENTO

Não é por subserviência ao protocolo ou às boas maneiras. Nem por mera obediência à liturgia de um ato solene como este. Se, no limiar do meu discurso, coloco uma palavra de agradecimento, é por um impulso interior de total sinceridade: porque credito à vossa generosidade e fidalguia, senhoras e senhores acadêmicos, o gesto que me abriu a porta desta Casa. Por ela, passaram nos seus quase cem anos, brasileiros que, por muitos títulos, honraram e engrandeceram a Academia, honrando e engrandecendo, através dela, o seu país. Graças a vós, ingresso na antiga, numerosa e prestigiosa família acadêmica à qual pertenceram aqueles antepassados à qual pertenceis. Faço-o sem vaidade alguma, mas confiante e feliz por colocar-me a serviço daquilo que a Academia significa para o País e para a sociedade brasileira, em virtude da sua vocação original.

VOCAÇÃO E MISSÃO DA ACADEMIA

Para melhor conhecer essa vocação, senhoras e senhores acadêmicos,atento à orientação de alguns de vós, vim ter a esta Casa, uma semana apenas depois de eleito. Vim como se fizesse uma viagem entre as suas paredes. E, visto que era, na folhinha, 25 de julho, o dia de São Tiago, Sra. Presidente,minha viagem adquiriu um toque da milenar romaria compostelana. Ou, se preferis outra imagem, ao ritmo das passadas ao largo da geografia física desta antiga sede da representação da França na Exposição de 1922, cumpri uma invisível e reveladora expedição: a que me levou a explorar o próprio ser, a substância da Academia.

Sei que, como todas as Academias do mundo, de Platão para cá, também esta se inspira no faustoso Palácio e no mítico Jardim de Academo, abrigo, cenáculo e teatro de acaloradas discussões entre os mais notáveis mestres do pensamento ático: dele, do proprietário da casa e do jardim, a Academia tira o seu nome. Sei que esse simples nome suscita, pelo menos da Renascença até nossos dias, imagens das mais variadas: de reflexão filosófica e teológica e de pesquisa científica; de Artes Bélicas ou de Belas-Artes; de Ginástica e Musculação ou de Dança; de Culinária ou de Artesanato... Sei também quais são as ideias que muitos fazem das academias: que são grêmios elitistas e estanques, de uns poucos privilegiados; que são torres de marfim inacessíveis; que são paraísos deleitáveis, Olimpos ou Empíreos, mas distantes do dia a dia e do terra a terra do comum dos mortais; que são cumes altaneiros e soberbos mas destacados da planura.

Isto, o que dizem. Mas, no meu itinerário pelas salas do Petit Trianon, minha pergunta era outra: Academia Brasileira de Letras, que dizes de ti mesma? Ora, desde então e ao longo destes meses, adquiri uma convicção, que me atrevo a partilhar convosco (e é a única ambição deste discurso): esta Academia, para nada dizer das outras, se define por um constante e aplicado serviço à Cultura. Para isso, ela nasceu e existe: como testemunha e promotora de Cultura neste País. Ainda que fosse só por isso, ela tem um compromisso com o País. Um compromisso com o futuro do País. Por esta razão, se tivesse que dar um título a este discurso,eu o chamaria: MISSÃO DA ACADEMIA: REESCREVER O FUTURO DO BRASIL.

Testemunha e promotora de Cultura.

MAS, O QUE É CULTURA?

Jamais, como neste nosso tempo, o homem tomou tanta consciência do alcance, da necessidade e da urgência da Cultura. Toda pessoa humana é feita de cultura e é fruto da Cultura. Sem essa, a pessoa se encontra a meio caminho da sua autorrealização, e a sociedade, coletividade de pessoas, não possui a plenitude do seu ser e da sua função. Fique dito, com isso, que a Cultura é riqueza e patrimônio, objetivo e necessidade, direito e obrigação de cada indivíduo da comunidade humana.

No plano pessoal, a Cultura é o cultivo (as duas palavras têm a mesma raiz) de todos os componentes da pessoa. Do corpo e de toda a corporeidade (equilíbrio físico, saúde e bem-estar, higiene, esforço e repouso). Do espírito, intimamente unido ao corpo, com suas potências e faculdades: de inteligência ou razão e vontade, de memória e fantasia, de sensibilidade e de afetividade. Cada um desses valores nasce carregado de imensas possibilidades, mas não as efetivará se não forem cuidadosamente cultivados.

No plano social ou comunitário, a Cultura é o amoroso e incessante cultivo de outros tantos valores: História e tradições, sentimentos religiosos e crenças, ritos e símbolos, senso de Deus ou do Sagrado, usos e costumes, folclore,expressões artísticas de todos os gêneros, traços de caráter, cosmovisão e sentido da vida, razões de rir e de chorar, amores e desamores, qualidades e defeitos de um povo, raça ou nação. Tal cultura precisa ser preservada, mesmo quando aprimorada no encontro ou no entrechoque, no diálogo ou no caldeamento com outras culturas; com o Evangelho ou outros textos sagrados; com o progresso científico e tecnológico; com a modernidade e o pós-moderno.

Pobre a comunidade humana – cidade, Estado, Nação, civilização – que, por insensibilidade ou inadvertência, por menosprezo ou desatenção, põe a perder ou deixa perderem-se os ingredientes essenciais e inalienáveis da sua cultura! Num certo nível de profundidade (ou, se se preferir, numa certa altitude), Cultura e Humanismo se identificam. Pois, que é o Humanismo senão o conjunto dos fatores que permitem ao homem viver e conviver segundo toda a plenitude da sua dignidade de pessoa humana, de cidadão e – para quem tem fé – de filho de Deus? Uma cultura é tanto mais valiosa quanto mais ela contribui para a mais alta afirmação do homem: só pode ser refratária e infensa à Cultura uma corrente filosófica que, afiliando-se, com ou sem razão, a um ou outro maître à penser, proclama a impossibilidade de uma existência humana específica ou, pelo menos, anuncia a “morte do homem” logo depois da morte de Deus. Ao contrário, um humanismo é tanto mais pleno quanto mais se baseia em e conduz a verdadeiros valores como o “esplendor da verdade” e o “evangelho (= alegre anúncio) da vida”, do sentido e da qualidade da vida. Em valores como a justiça e a liberdade, o respeito mútuo, a solidariedade e o amor. Numa cultura e visão humanística cristã, num humanismo pleno, Cristo, perfectus Deus et perfectus homo, é o ápice, o ideal e o paradigma da realização do homem: “O mistério do homem só se esclarece no contacto com o mistério do Verbo Encarnado” (Gaudium et Spes). Tal humanismo acontece quando as dimensões mencionadas há poucos instantes sobrepujam as ameaças e tentações de exclusão, opressão e dominação do homem sobre o homem. Vivemos uma cultura e um humanismo que, por excluírem o Absoluto e a Transcendência em nome de uma imanência sem grandeza, acabam por ser hostis ao homem. É atual a antiga palavra de Julien Benda quando denunciava les pentes inhumaines de um certo humanismo. Como é atual a observação de Henri de Lubac, sobre le drame de l’humanisme athée, o que não quer dizer que homens, que se professam ateus, não descubram, vivam e promovam, por caminhos diferentes, o sentido cristão da Cultura.

CULTURA CLÁSSICA, CULTURA POPULAR

Nesta altura do discurso, não é supérfluo, antes é conveniente, enfatizar que cultura não é sinônimo de erudição. Pode haver pessoas e coletividades privilegiadas pela formação intelectual, científica ou clássica, carentes, porém, de não poucos daqueles elementos que caracterizam uma verdadeira cultura. E pode haver, vice-versa, pessoas ou estamentos da sociedade privados do cabedal de conhecimentos que lhes permitiriam serem chamadas “cultas”, no sentido erudito do termo, mas que possuem dimensões humanas, sociais, morais e religiosas que constituem verdadeira cultura. É, pois, indispensável admitir que existe uma autêntica Cultura Popular, diferente da Cultura Clássica, mas não inferior a ela. Num país e num povo como o nosso, não é difícil compreender o que acabamos de dizer.

Creio – se me é permitida, nesta hora e neste lugar, uma tal profissão de fé –, creio que Cultura Clássica ou Erudita e Cultura Popular não se rejeitam nem se excluem – antes se atraem e se completam, fecundam-se mutuamente e mutuamente se enriquecem. Creio que uma Academia como esta, que amamos, apreciamos e admiramos, não surgiu nem tem vivido seus noventa e nove anos num dourado isolamento, de costas para a realidade popular, como se fosse um país estranhando o outro. Creio que os brasileiros acadêmicos aceitam sê-lo com os olhos postos em todos os seus concidadãos, também (e, até diria, de modo preferencial) naqueles que estão à margem de uma certa cultura e correm o perigo de não conseguirem valorizar a sua própria cultura. Vejo, pois, a Academia como uma espécie de usina ou laboratório onde mulheres e homens, predestinados a um nível excepcional de Cultura Clássica e Erudita, sentem-se inderrogavelmente aliados e comprometidos com um mundo de concidadãos ameaçados de invencível indigência cultural.

CULTURA, LETRAS E ARTES: CINCO MODELOS

Ora, faz parte da Cultura, enquanto direito de cada um e dever de todos, todo serviço qualificado que se preste às Letras e às Artes, da Poesia ao Romance, da Dramaturgia à Ensaística, da Oratória à Crônica. Por isso, não só rende homenagem, mas serve dignamente à Cultura uma Casa como esta, dedicada ao cultivo das Letras, não no sentido estreito da projeção de alguns, mas na busca esforçada do benefício de todos.

Neste ponto, apraz-me evocar a memória, exaltar as figuras e pôr na devida evidência as pessoas de cinco ilustres brasileiros ligados à Cadeira 12 para a qual vosso benévolo sufrágio me conduziu e que passo hoje a ocupar, lisonjeado e estimulado pela nobre linhagem que cada um deles contribuiu a tecer.

FRANÇA JÚNIOR

Concebida a Academia Brasileira de Letras e escolhidos nomes de insignes escritores já falecidos como patronos das quarenta Cadeiras, coube à 12 o patrocínio do escritor e dramaturgo Joaquim José da França Júnior. Vasta, significativa, influente cultura teatral foi o forte deste carioca nascido em 1838 e falecido em Caldas (MG) em 1890, na força dos seus 52 anos. Na falta de uma minuciosa biografia, é possível – e é agradável – ler interessantes monografias sobre França Júnior. Leem-se com emoção, sobretudo quando postas em confronto, como num jogo de espelhos, a mais antiga, de 1906, sob a pena incomparável do grande Artur Azevedo, e, mais recente e das mais instigantes, a que lhe consagrou o ilustre teatrólogo e crítico, nosso colega de Academia, Sábato Magaldi. Este último estudo, “Fixação de costumes” (publicado em Panorama do Teatro Brasileiro, São Paulo, Difusão Europeia do Livro, sem data (1962), 1.ª edição), é comovida homenagem ao dramaturgo. Mas é também uma análise percuciente da obra de um literato da mesma estatura de Martins Pena e do citado Artur Azevedo, com os quais forma a tríade máxima na criação e no desenvolvimento de um teatro tipicamente brasileiro. Em textos elaborados com arte, de ótima carpintaria teatral, nos quais a graça e o humorismo das situações convivem com uma visão amarga, quase cínica, da vida, França Júnior retrata aquele que lhe parece ser o homo brasiliensis. Assim, põe sua criatividade e seu atrevimento a serviço da cultura de um povo: vida familiar, aventuras políticas, situações, costumes formam a teia desta cultura que o comediógrafo descreve em perfeita linguagem teatral. No curto espaço de uma breve vida, foi bastante ampla a criação literária de França Júnior, de A República Modelo (1861), aos Ingleses na Costa (1864); de O Defeito da Família e Direito por Linhas Tortas (1870) a O Tipo Brasileiro (1872) e Às Doutoras. Reverencio a memória e a presença literária do Patrono França Júnior.

URBANO DUARTE

Pelo misterioso mundo do Teatro, passou também o primeiro ocupante, ou fundador, da Cadeira 12 (circunstância agradável a quem, como eu, começou seu ministério de sacerdote no meio teatral, orientado pelo hoje Acadêmico de França, o dominicano Pe. Carré). Mas foi sobretudo jornalista e folhetinista o baiano Urbano Duarte, colega de Rui Barbosa nos bancos escolares, nascido na cidade de Lençóis a 31 de dezembro de 1855 e falecido no Rio de Janeiro a 10 de novembro de 1902, seis anos apenas após a fundação desta Casa, aos 57 anos de idade. Quem lhe estudou a biografia apontou na figura do escritor algumas antinomias que contribuíram pra dar-lhe maior relevo: fundamentalmente triste, ele escreveu para fazer rir; descrevendo a superfície das pessoas e dos acontecimentos, era capaz como ninguém de colher o fundo mais íntimo delas e deles; da observação picante dos tipos e costumes, salta para a luta antiescravagista e abolicionista, sobretudo no drama “A Família Salazar”, rebatizado depois como “O Escravocrata”. Por quase vinte anos, soma a Literatura com a Ciência e une às duas a carreira militar. É possível que a ABL se veja interpelada, um dia, a reunir em volumes os escritos esparsos deste fundador.

AUGUSTO DE LIMA

A um Urbano Duarte quase sempre esfuziante, sucede na Cadeira 12 o mineiro de Nova Lima (1860), falecido no Rio de Janeiro (1934), o contido, meio taciturno Antônio Augusto de Lima. No belo discurso de entrada na Academia, este delineia, com arte e sinceridade, o perfil do predecessor: é um texto notável este, no qual Augusto se confessa, por muitos títulos, próximo de Urbano, mas nos antípodas dele por ter sido ele um humorista, substituído por um melancólico confesso e professo. Introspectivo, meio solitário, satírico, ele se compara com outros mineiros: Pe. Correia de Almeida e Cláudio Manuel. Não sei se essas etiquetas se ajustam mesmo em Augusto de Lima ou se são, em grande parte, atitude de mineiridade. O que sei é que este meu coestaduano representa, na vocação cultural da Academia, um serviço qualificado à Cultura na área, ao mesmo tempo, da Poesia (ContemporâneasSímbolos, PoesiasTiradentes), do Direito (como fundador de Faculdade em Minas e como promotor público) e da Política (como deputado federal por 23 anos). Ousaria dizer que também na área da Filosofia – e de uma filosofia deliberadamente cristã, na qual ele foi conhecido e admirado por muitos, em compensação vantajosa da incompreensão e rejeição de outros.

VÍTOR VIANA

A Augusto de Lima sucede Vítor Viana. No seu discurso de posse, este homem de letras bastante conhecido no seu tempo faz questão de evidenciar, sem ambiguidade, o campo cultural no qual atuou por vários anos: “Peço licença para considerar a distinção [de ser recebido na Academia] como uma homenagem à minha profissão de jornalista.” E acrescenta com justificado orgulho: “O jornalismo é um gênero literário [...] e os articulistas e cronistas são bem homens de letras. Hoje não se sabe onde acaba o jornal e começa o livro.” Saúdo com respeito este predecessor na Cadeira 12 e o faço com prazer, já que meu caminho para a Academia passou, sem dúvida, pelos livros nos quais se transformou minha bissemanal colaboração em dez jornais do País. Saúdo a quem, descrevendo-se como autor de trabalhos sobre Sociologia,Economia Política, Ciência do Governo e da Administração, Filosofia, Psicologia, Crítica Literária, aponta o Jornalismo como profissão principal e se orgulha de ocupar uma cadeira que teve como patrono, fundador e último ocupante, antes deles, três jornalistas.

MACEDO SOARES

Em 1937, é eleito para a Academia Brasileira de Letras o único ocupante da Cadeira 12 que cheguei a conhecer, embora à distância. Refiro-me ao paulista José Carlos de Macedo Soares. Como definir sua carreira e as etapas do seu variado e complexo serviço à sua Pátria? Como apontar as várias facetas da sua cultura pessoal, graças às quais ele prestou inestimável serviço à Cultura Brasileira? Foi um cultor do Direito no qual foi bacharel saído da famosa Faculdade do Largo de São Francisco (1905). Foi catedrático de Economia e Finanças na Álvares Penteado e de Direito na PUC de São Paulo. Foi político nos tempos de estudante (Centro Acadêmico XI de Agosto) e no exercício de cargos executivos (secretário do Interior e Justiça, ministro da Justiça em dois governos, interventor federal em São Paulo nos governos Linhares e Dutra). Foi notável diplomata, quer participando de encontros internacionais, quer ensinando, quer exercendo por duas vezes o cargo de ministro das Relações Exteriores, em épocas e circunstâncias difíceis e com uma competência e um senso diplomático raramente vistos. À ABL, ele trouxe a contribuição do seu saber e o testemunho de uma personalidade do mais alto nível.

Ao focalizar, sob as cintilações desta noite de gala, com as rápidas pinceladas que o discurso permite, os vultos venerandos de nobres antepassados, desejei recordar o que fizeram pela Cultura. Desejei também render um preito de gratidão aos seus familiares mais ou menos próximos, porventura ainda em vida e presentes em nosso meio. Eles deram brilho à Academia – é justo que ela não os deixe em imerecido esquecimento.

CULTURA E EDUCAÇÃO

Antes, porém, de pronunciar mais um, o sexto e derradeiro nome, nesta lista, por muitos títulos luzidia e respeitável, permito-me externar o pensamento que me acompanhou na evocação de cada um deles: a impressão dominadora de que não há Cultura sem Educação como não há Educação que não produza Cultura. Por isso, uma Academia comprometida em detectar as raízes mais profundas e determinantes da Cultura em um país, em elaborar e promover, em difundir e alargar essa cultura, não pode deixar de comprometer-se também com a Educação. À minha interrogação – Academia Brasileira de Letras, que dizes de ti mesma? –, ouvi claramente a resposta: Procuro ser válido instrumento de Educação, a serviço de todo um povo.

Falo de Educação no sentido mais profundo, mais abrangente e mais nobre do termo, no sentido etimológico de e-ducere, ou seja, fazer emergir, tirar de dentro, levar a uma certa plenitude, potenciais já existentes no educando. Isso supõe informação, instrução, comunicação do saber, mas é muito mais: é fazereclodir um homem maduro e acabado do homem em germinação e crescimento.

Assim conceituada, a Educação não é um luxo para alguns, mas uma necessidade e exigência de todos. Pois cada ser humano só pode ser fruto de capacidades ou faculdades inatas (físicas e espirituais, mentais, psíquicas, afetivas, morais, religiosas) e de educação e desenvolvimento das mesmas.

Sem a possibilidade de explicitá-lo minuciosamente, convém entretanto lembrar um conceito básico: o protagonista verdadeiro da Educação é o próprio educando – ao educador cabe o trabalho quase artesanal de tirar de dentro do educando a pessoa humana que ali é gestada. Compreendo o sentido desta gestação cada vez que, em um museu de Florença, contemplo os grandes blocos de mármore dos quais Michelangelo começou a extrair outras tantas estátuas: aos trabalhos inacabados alguém deu o nome de le prigioni, querendo ressaltar que, em cada bloco, está encarcerada uma obra-prima, invisível, que o artista deve libertar. Assim o educando nas mãos do educador.

Este educador é múltiplo e uno. Múltiplo porque, segundo as diferentes fases da sua vida, o educando precisará de diferentes pessoas, grupos e até instituições que o ajudem a atingir sua plenitude. Uno porque qualquer antagonismo ou dicotomia entre os educadores só pode produzir malefícios no educando, sendo o pior deles uma sorte de esquizofrenia pedagógica de dramáticas consequências. Fazem parte da unidade na multiplicidade da Educação, antes de tudo, os pais que, tendo dado a vida biológica e espiritual, têm o dever de educar para a vida, dando um sentido à vida. Além dos pais, é primeira educadora, também, toda a constelação familiar como o é o espaço, ambiente e clima da família. Educadora é, em seguida, a Escola que para isso (e não só para a instrução e o ensino sistemático) deve estar preparada. Educadoras podem e devem ser as comunidades eclesiais; educadores, os grupos informais nos quais o educando vive parte mais ou menos significativa da sua existência; educadores deveriam ser (e seria dramático se não o fossem) os meios de comunicação social ou mass media. Aqui, não vacilo em dizer que não poucas instituições sociais, embora não sejam classificadas como educacionais ou pedagógicas, são chamadas a fornecer subsídios válidos para a Educação: entre elas estão, sem dúvida, as academias como esta que hoje nos abriga. A este propósito, alegra-me a certeza de que, contrariamente ao que se pode ouvir ou ler aqui ou ali, esta Academia não é um círculo de “perfeitos”, hermeticamente fechado, insulado e distante do País real, às voltas com graves problemas no plano da Educação, inclusive com o drama do analfabetismo de uma parte consistente da população. É instituição voltada para a Educação Nacional.

E como não ressaltar, com a devida ênfase, o papel do Estado? A respeito deste, é preciso pôr em evidência, neste momento, quatro aspectos essenciais. Primeiro, que é seu indeclinável dever oferecer aos cidadãos, como parte insubstituível da própria cidadania, educação completa, gratuita, obrigatória e de boa qualidade. Segundo aspecto: que as diretrizes e bases da Educação encontrem o justo equilíbrio entre o Ensino Primário, Secundário e Universitário, com especial atenção ao Básico; que não se descure o Ensino Profissional sob o pretexto de cuidar do Intelectual. Terceiro: que seja garantido a todo educando que, por si ou pelos pais, optem pela educação fornecida pela escola particular, confessional ou não, o acesso a ela; esta deve ser objeto de uma justa e apropriada legislação que impeça qualquer tipo de mercantilização do Ensino; por outro lado, porém, como acontece nas melhores democracias, uma forma adequada de subsídio estatal deve permitir o acesso à escola particular, mesmo a educandos que não têm condições financeiras para isso. E quarto, delicado aspecto: que se encontrem caminhos de justiça, liberdade e verdadeira democracia com relação ao Ensino Religioso nas escolas, respeitado o pluralismo e a liberdade em matéria de Culto e Religião; isto porque uma educação não é de qualidade total se não educa também o senso religioso, conatural ao homem.

Sublinhados esses aspectos, entre muitos outros que os limites do discurso me obrigam a omitir, faço, de bom grado, uma proclamação. Como brasileiro e como pastor, como intelectual e, agora, como acadêmico, estou firmemente persuadido de que alimentação (comida) e Educação constituem a prioridade absoluta no Brasil democrático; erradicar a miséria (a fome) e erradicar o analfabetismo, deve ser a grande luta. Em outros termos, estou convencido de que sem a Educação não se faz nem a libertação, nem a promoção humana, nem a revolução de que o povo precisa e que o povo reclama. Neste sentido, a revolução do livro e da pena é a primeira e indispensável revolução. Educação em vista da cidadania plena e de uma democracia real e não meramente formal, tal deve ser o programa primordial. Sem esse programa, qualquer outro projeto político ou social corre o risco de esvaziar-se e perder-se por falta dos elementos e recursos humanos, que são básicos.

ABGAR RENAULT: UM SER POLIÉDRICO

As singelas reflexões que ousei trazer a este lugar e no contexto do meu ingresso nesta Casa têm o condão de fazer ressurgir em meio a nós, há dez meses da sua morte, duplamente imortal, no plano da fé e no plano acadêmico, o Prof. Abgar de Castro Araújo Renault.

Com os mais deferentes e cordiais cumprimentos aos digníssimos familiares e parentes do pranteado homem de letras e aos acadêmicos que gozaram da sua amizade, declaro que o orgulho de ingressar no quadro desta Academia se amplia e se eleva com o outro: o de suceder na Academia a um brasileiro como este. Penso nele ao falar de Cultura e, ainda mais, de Educação, porque considero que os seus múltiplos títulos conduzem para o de educador e neste encontram seu ponto culminante.

Por muito tempo, como a grande maioria dos brasileiros, de Abgar Renault só conheci o nome glorioso e as obras presentes nas livrarias e redações de revistas. Só pouco a pouco, sobretudo depois que Irmã Morte lhe cerrou os olhos e a boca e paralisou-lhe os gestos e o andar, tornei-me atento aos traços marcantes da sua personalidade.

Percebi então que existe o Abgar Renault pessoa humana, rica de qualidades que, no dizer de quem privou de sua intimidade, compensaram abundantemente os naturais defeitos. Meu coestaduano, das Minas Gerais, nasceu ele a 15 de abril de 1901, na cidade de Barbacena. Por este lado, sinto profundas afinidades com aquele que veio ao mundo a cerca de cinquenta quilômetros da minha São João del Rei natal. Trazemos ambos das Alterosas, das encostas da Mantiqueira e dos Campos das Vertentes, traços caracteriais comuns: certa interioridade; um jeito comedido, tendendo mais à discrição do que ao exibicionismo; um aparente desinteresse mas, na verdade, uma real abertura aos outros. Sobre o homem Abgar, falou Paulo Nathanael de Souza Pereira na melancólica despedida que lhe fez quando ele deixou o Conselho Federal de Educação: melancólica mas não desconsolada porque – dizia – “aquele que parte, entre nós permanecerá, pois é poeta e só a santos e poetas concedeu o Todo-Poderoso a ubíqua capacidade de permanecer sem necessariamente estar.” É nesta homenagem que Paulo Nathanael descreve o homem Abgar com os traços do Les Caractères de La Bruyère (cf. Falas, p. 96): “A grandeza verdadeira é livre, mansa, familiar [...] nada perde em ser vista de perto: quanto mais conhecida mais admirada. [...] Os bons parecem grandes e muito grandes sem nos fazer sentir que somos pequenos.”

O VERNACULISTA

Existe o Abgar vernaculista, perfeito cultor da Língua Portuguesa, igual a outros, mas inferior a nenhum. Sem purismo nem requintes exibicionistas, ele ficará como um dos que, no seu tempo, melhor usaram a Língua Portuguesa tal como falada no Brasil. Melhor, que dizer: com mais propriedade, mais elegância, maior riqueza vocabular, limpidez e pureza na expressão das ideias. Sua prosa permanece exemplar, embora inimitável.

O POETA

Existe o Abgar poeta. Poeta quando, traduzindo os mais notáveis poetas ingleses e americanos, franceses e alemães, recria com sua inspiração a deles e encontra na nossa língua as palavras que deram magia e alumbramento à poesia original. Carlos Drummond de Andrade comentou, a este propósito: “Rigorosamente, Abgar não traduziu os poemas; fê-los de novo.” Poeta, e dos melhores, quando escreve seus próprios poemas. Admiro na lírica “renaultiana” a capacidade de levantar delicadamente o véu que cobre, não a epiderme do homem, mas seus sentimentos mais profundos, seus medos e ansiedades, seus desejos, suas paixões, suas buscas ardentes, suas alegrias e esperanças, as fontes da vida presente e as de uma certa eternidade. Talvez por isso, sua poesia é profundamente perturbadora, embora na forma não se mostre agitada nem sísmica. Quem se interessa por Poesia Contemporânea no Brasil precisa conhecer a obra poética de Abgar.

Ler os XXIV Sonetos Antigos, bem-sucedidos pastiches de inspiração camoniana, e, por contraste, Sofotulafai e outros poemas que levam Solange Ribeiro de Oliveira a falar da “modernidade” de Abgar.

Descobrir nele algo de Juan de la Cruz: é sanjuanísta um quê de noche oscura, mas constelada, que envolve toda a sua Obra Poética, na qual é frequentíssimo o uso do substantivo noite e do adjetivo noturno.

Deixar-se impregnar pela lírica de “O Filho Morto” (em A Lápide sob a Lua):

Vejo o corpo morto da tua mocidade
Dormindo sem sono a sua construção de ossos e músculos
Estás ferido e dóis e nem te queixas e não choras.

Não me é dado saber quais foram as relações do homem Abgar com seu Deus, na intimidade da sua vida religiosa e da sua oração. Espero que tenham sido filiais e o sejam ainda mais, agora que, rasgados os véus da fé, ele O contempla face a face.

Quanto ao poeta Abgar, nos poucos mais densos poemas explicitamente religiosos, ele fala de Deus sem pronunciar-lhe sequer o Santo Nome: só o uso da maiúscula nos pronomes indica de Quem está falando. Deus é, para o poeta, o “Ignotus” – o desconhecido –, como diz o título de um poema do volume Íntimo Poço:

Eu não sei quem Tu és.
Mas sei que Tu existes
e sei que és Tu que acendes as estrelas lá no alto,
o lume, às vezes, da alegria na pobreza dos meus olhos tristes.
Eu não Te vejo, eu não Te falo, senão no silêncio secular
das noites insones e profundas
(...) Eu Te quero e Te temo (...)
sinto o Teu resplendor doer em minha tórpida cegueira
ouço o rumor augural dos remos do teu barco, lento e lento
a ferir, com seu ritmo de Absoluto,
a água noturna do meu pensamento.

É portanto Alguém que não se vê, não por ser escuro e sombrio, mas porque ofusca, de tão fulgurante que é. No entanto, o desconhecido se faz “Presença” (na mesma coletânea):

Trago-te comigo como a palavra traz em si a ideia e
tal a sombra supõe a luz sem vê-la,
sinto-Te em mim perpetuamente, sem saber o que és,
nem o que buscas,
sei apenas que estás aqui, ao derredor de mim e em mim.
Instinto ou consciência, ventura ou dor,
eu não posso fugir-Te nem escapar-Te, ó ignoto esplendor.

Os versos citados indicam que as relações do poeta Abgar Renault com seu Deus foram marcadas mais pela dor e por uma certa ansiedade do que por uma deliciosa espontaneidade. Isso se confirma nos dois versos postos como epígrafe do livro A Lápide sob a Lua, na Obra Poética:

Tombo, Senhor, submisso, mas inconformado na desesperança e não te reconheço na cruel desnecessidade da tua lança.

Confirma-o, ainda mais, o soneto “Ad te clamamus”:

...se alheio ao nosso amargo sobressalto sempre és maior, mais trágico e mais alto que a nossa inútil desesperação.

De todo modo, alegra perceber que, num certo sentido, toda a poesia de Abgar tem algo de religioso e até de litúrgico e ritual, mesmo quando não fala explicitamente o nome de Deus. Pois versa sempre sobre as raízes ou as nascentes ocultas do homem – e, portanto, sobre sua sede de Absoluto e de Transcendente, sobre seu senso religioso.

Quem faz essa leitura é forçado a admitir que Abgar Renault situa-se entre os nossos melhores poetas (Fausto Cunha), “um dos três maiores poetas da Língua Portuguesa em nosso tempo, na honrosa companhia de Carlos Drummond de Andrade e Fernando Pessoa” (Fernando Sabino). Admitir, mais, com Antonio Olinto, “estar bem perto de nós o maior poeta vivo do Brasil”. É, sem dúvida, um “poeta maior”. Admiro na estética deste poeta maior a irresistível sugestão das imagens simples e caseiras para propor paisagens interiores das mais humanas.

ABGAR, O HUMANISTA

Para falar de um outro traço na fisionomia de Abgar Renault, convido-vos, senhoras e senhores, a considerar comigo uma semelhança e uma diferença entre os conceitos de Antropologia e de Humanismo. A semelhança: baseados na raiz grega de ánthropos ou na latina humanum, ambos têm por objeto e ponto de referência o homem. A diferença está em que a Antropologia é uma ciência que, com instrumental filosófico, teológico e bíblico, cultural, psicológico e biológico (daí os vários horizontes antropológicos), investiga sobre as origens do homem, sua natureza, suas condições, seu destino: o Humanismo é uma atitude ou postura intelectual, moral ou espiritual, é uma visão das coisas e da História, é uma estratégia ou um projeto para conduzir a sociedade ou construir uma nova sociedade. É uma compreensão do mundo: um mundo que nas suas estruturas e instituições, na sua autoconsciência e na sua vivência vise não tanto à perfeição técnico-científica mas à realização de todos os valores – individuais, familiares, sociais, morais, religiosos, espirituais –, graças aos quais uma pessoa humana se realiza plenamente.

antropólogo reflete, estuda, discorre, ensina sobre o ser humano e realiza assim obra científica de elevado alcance, usando inclusive pesquisas e conclusões de outras ciências. Neste sentido, após a Teologia, a Antropologia pode ser considerada a mais nobre na hierarquia das Ciências. O humanista, por tudo o que faz, escreve, diz, tem em vista a pessoa e a comunidade humana e edifica um mundo para o homem. O humanista é alguém capaz não tanto de discorrer sobre o homem, mas de colaborar eficazmente, pela reflexão e pela ação, para que um número cada vez maior de pessoas humanas se realize na sociedade e no mundo.

Um humanista deve, pois, obrigatoriamente possuir uma determinada visão do homem e agir em consonância com ela. Tal visão resulta de algumas variantes e, segundo essas, seu humanismo pode ser materialista ou espiritualista, determinista ou fruto da liberdade, pagã ou cristã. O humanismo de Abgar Renault pode ser definido como espiritualista, teológico e cristão: ele não rejeita nem condena outras modalidades de Humanismo, mas, afirmando a que lhe é própria, pratica sincera abertura para o diálogo com as demais.

Não classificaria Abgar como um antropólogo. Mas não hesito em qualificá-lo como um verdadeiro humanista.

UM NOTÁVEL EDUCADOR

Abgar Renault, o homem profundamente humano, o poeta, o humanista,mas também o servidor público, o político, o jurista, o filósofo metafísico:tudo converge para o Abgar educador tal como o descreve Paulo NathanaelPereira de Souza na “Homenagem a Abgar Renault” no seu livro Falas.

Educador ele o foi em três dimensões superpostas.

Primeiro, na sala de aulas e em contato com os alunos, como o faz a partir de 1923, ensinando Inglês e Português entre outros a Francisco Clementino San Tiago Dantas, em aulas particulares; a partir de 1927, na Escola Normal Modelo e no Ginásio Mineiro de Belo Horizonte; a partir de 1935, na Universidade da Prefeitura de Rio de Janeiro; em 1945 e 1960, como visiting professor, nos Estados Unidos. Por tudo isso, recebe o título de Professor Emérito da UFMG e a Medalha de Honra ao Mérito.

É educador também em elevados postos em várias administrações:secretário do ministro de Educação Francisco Campos (1930); membro do Conselho Federal de Educação (1938); assistente do secretário de Educação da Prefeitura do Rio de Janeiro; secretário de Educação do Estado de Minas Gerais, no governo Milton Campos (1947); ministro da Educação no governo Milton Campos; representante do Brasil na Conferência Geral da UNESCO. Nesta linha, ele é também membro fundador da Universidade Federal de Minas Gerais.

Educador, ele o é igualmente quando escreve e publica artigos, comentários e juízos críticos sobre Educação. Na extensa bibliografia levantada cuidadosamente por Solange Ribeiro de Oliveira e Affonso Henrique Tamm Renault, constam, entre dezenas de outros escritos, A Palavra e a Ação, Missões da UniversidadeO Ensino Técnico e a Cultura Geral. Nesses escritos, transparece toda a sua ânsia por uma educação realmente formadora de pessoas. Em dois textos seus, lê-se com emoção o que ele revela sobre sua vocação pessoal de educador e sobre a maneira como a entendeu e viveu: um o que ele intitulou simplesmente “Depoimento”, no qual atribuiu ao pai Léon “o gosto pelos estudos e interesses pelas causas da Educação”; o outro, o emocionado discurso que proferiu ao despedir-se do Conselho Federal de Educação em 1982. Acredito que somente sua modéstia e a ausência, nele, de tudo que parecesse cabotinismo e autoprojeção impediram que, em vida, fosse retumbantemente reconhecido como um dos maiores e melhores educadores que o País já teve. Mas a faixa do País que, contra a vontade dele, o consagrou como poeta maior, o erigiu também como um eminente  educador.

À GUISA DE CONCLUSÃO

Senhoras e senhores acadêmicos, vosso gesto de grandeza, ao eleger para vossa agremiação este pastor e ministro da Igreja Católica Apostólica Romana, trouxe-lhe muitos motivos de gratidão. Entre todos, sobressai a oportunidade, que lhe proporcionastes, de aproximar-se da figura, por muitos títulos admirável, de Abgar Renault. Na impossibilidade de referir-me ao meu ilustre predecessor, neste discurso, de modo tão minucioso, como desejaria, assumo comigo mesmo o compromisso de fazê-lo em uma próxima ocasião. Por agora, restam-me a honra e o prazer de reverenciá-lo com o mais sincero apreço, na memória e na saudade, em comunhão com seus familiares, com seus colegas de Academia, com todos quantos o admiraram e lhe quiseram (e lhe querem) bem.

HOMENAGEM

E seja-me permitido, no momento final deste discurso, quebrando talvez o protocolo, exaltar duas figuras do episcopado brasileiro que me precederam nesta Casa: D.Silvério Gomes Pimenta, o arcebispo negro, santo e sábio, de Mariana, Arquidiocese em que eu nasceria três anos após a sua morte, e D.Francisco de Aquino Correia, arcebispo salesiano de Cuiabá. Curvo-me, reverente, perante esses dois irmãos bispos, agradecidos pelo lustre que deram à Igreja, à Academia e à Pátria. Em gesto de afetuosa fraternidade, saúdo também o monge-poeta meu coestaduano, chamado, há anos, a integrar esta Casa.

OFERENDA

Não resisto ao prazer de transferir as honras e as alegrias da investidura acadêmica, nesta noite inesquecível, a dois homens e duas mulheres que tomo como verdadeiros símbolos. Eles são Fr. Jordano Noordermeer, franciscano holandês, que vive, em São João del Rei, o plácido e radioso crepúsculo dos seus 86 anos bem soados e bem vividos, e o Prof. Antônio Augusto de Assis: ambos foram meus professores no então chamado Gymnasio Santo Antônio de São João del Rei. Elas são Margarida Moreira Neves, obscura professora primária em São João del Rei, minha mãe e, a todos os títulos, minha principal educadora, e D. Clotilde Oliveira, minha professora primária no Grupo Escolar João dos Santos, que me ensinou as primeiras letras de 1934 a 1936 – e que, lúcida e ativa, aqui estaria entre nós, não fosse um luto recente e o temor de emocionar-se demais diante do antigo aluno transformado em acadêmico. Recebam elas, em nome de todas as professoras primárias do Brasil, o preito de infinito carinho e imorredoura gratidão do novo acadêmico.

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E cesso agora as palavras com um post scriptum de Blaise Pascal (ou seria de Antônio Vieira?) em uma carta: “Desculpai-me ter sido extenso: não tive tempo de ser breve.”Cesso as palavras porque percebo ser hora de colocar-me à disposição dos insignes colegas acadêmicos na ingente tarefa de ajudar o País a REESCREVER (OU REINVENTAR) O FUTURO.

18/10/1996