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Adelino Fontoura

            BORGHI MAMO

Ao doce timbre harmonioso e brando
Da tua voz, ó alma enamorada,
Sinto minha alma em sonhos embalada
E como que eu também fico sonhando!

Como agitava o vento, perpassando,
A harpa eólia no salgueiro alada,
Tal me agita essa voz apaixonada
Quando, ó ave de amor, surges cantando.

Ouvir-te é como ver nascer a aurora:
Tudo inunda de luz, tudo ilumina
A tua voz angélica e sonora.

Solta, pois, a volata peregrina!
Ama, geme, soluça, canta e chora,
Celeste Aída, Malibran divina!

                                                               Rio, 1882.

 

          ATRAÇÃO E REPULSÃO

Eu nada mais sonhava nem queria
Que de ti não viesse, ou não falasse;
E como a ti te amei, que alguém te amasse,
Coisa incrível até me parecia.

Uma estrela mais lúcida eu não via
Que nesta vida os passos me guiasse,
E tinha fé, cuidando que encontrasse,
Após tanta amargura, uma alegria.

Mas tão cedo extinguiste este risonho,
Este encantado e deleitoso engano,
Que o bem que achar supus, já não suponho.

Vejo, enfim, que és um peito desumano;
Se fui ter junto a ti de sonho em sonho,
Voltei de desengano em desengano

 

            ANTES DE PARTIR

Venho ensopar de lágrimas o lenço
No tristíssimo adeus de despedida;
Em breve a Pátria vou deixar perdida
Além - na curva do horizonte imenso!

Em breve sobre o mar profundo e extenso
Adejará minh’alma dolorida,
Como a gaivota errante, foragida,
Sem ter um ninho onde pousar, suspenso!

Então, senhora, hei de pensar, tristonho,
Revendo a vossa angélica bondade,
Neste ninho de amor calmo e risonho;

E triste, sobre a triste imensidade,
Como quem despertou de um ledo sonho,
Hei de chorar o pranto da saudade.

 

                       VÁCUO

Não sei se pode haver padecimento
Mais profundo, mais íntimo e que tanto
Nos ponha na alma a dor que gera o pranto,
Do que um longo e tristonho isolamento.

Não ter um bem sequer no pensamento,
Nem o calor de um lar, nem o encanto
De um amor de mulher suave e santo,
É viver sem nenhum contentamento.

Bem sei que é bom sofrer, e me parece
Que esta vida sem dor nada seria,
E que é por isso até que se padece.

Mas esta solidão contínua e fria
Chega a ser tão cruel, que a não merece
Um coração que a dor mereceria.

 

                     SÚPLICA

Por mais que aspire ou queira, anele ou tente
Esquecer-me de ti - jamais me esqueço,
Ó bem amado ser por quem padeço,
Por quem tanto soluço inutilmente!

Bem que eu te peça, foges de repente,
E só me fica a dor que te não peço;
E eis tudo, ó céus! eis tudo o que eu mereço,
Em paga deste amor tão puro e crente.

Se te não move, pois, um desafeto
E se te apraz ao menos consolar
A desventura amarga deste afeto,

Ilumina com teu divino olhar
Esta alma que os teus pés, anjo dileto,
Vem, banhada de lágrimas, beijar.

 

                GAZETINHA
 (No dia do seu primeiro aniversário)

Eu não venho trazer a voss’excelência
Um fantástico mimo high-lifeano;
Possuo um coração meridiano,
Mas não vivo nas pompas da Regência.

Porém, se eu fosse um príncipe indiano,
De sangue azul e antiga descendência,
Possuindo a Golconda, essa opulência,
E os tesouros do Índico Oceano,

Nessas pequenas mãos, tímido e mudo,
Minha senhora, eu deporia tudo...
Como os brilhantes de um colar, dispersos!

Mas... se sou pobre, o que tão mal me fica,
Consinta que, sem luvas de pelica,
Venha depor-lhe aos pés estes meus versos.
                                                           4 de maio de 1882.

 

                DESPEDIDA

Pois que é chegada finalmente a hora
Do triste afastamento e da provança,
Venho dizer-te adeus, gentil criança,
Venho dizer-te adeus, pois vou-me embora.

Morreu em mim a última esperança,
Bem como um sonho bom que se evapora;
Não sei que dor maior que resta agora
Sofrer, nem que maior desesperança.

Não sei, ó sorte mísera e nefasta,
Que assim me arrancas do seu lar querido,
Que assim me roubas sua imagem casta.

Bem vês que eu tenho o coração partido,
E teu peito, inda assim, não desengasta
Um soluço, uma lágrima, um gemido.

 

               OHS! E AIS!

Essa mulher que tantos ohs! provoca,
Essa mulher que tantos ais! arranca,
Essa mulher quem é? Por que abre a boca
O Silvestre quando a vê? - É branca?

É morena? É francesa? É carioca?
As belezas helênicas desbanca?
O seu olhar os cérebros desloca?
O seu sorriso as lágrimas estanca?

Vamos, Raimundo, tu que viste há dias
A mágica visão, o ser terrestre,
Por quem já deste uns ais! e uns ohs! eu sinto,

Tira as garras da dúvida ao Matias,
Faze valsar o Lins, rir o Silvestre
E reler os Subsídios o Filinto.
                                               (A Gazetinha, 14-1-1882.)

 

 QUINTINO BOCAIÚVA

Uma vez escrito este nome, que é um símbolo, porque é uma síntese, sinto-me fortemente impelido pelo irresistível e poderoso impulso da verdade a adicionar-lhe, como particularidade complementar, esta frase: um homem de bem.

O leitor fluminense deve ter encontrado provavelmente na rua, algumas vezes, um indivíduo magro, franzino, de fisionomia melancólica e triste, rosto aquilino e agudo, fronte alta e escampada, a cabeça resolutamente levantada, passos firmes e compassados, caminhando sempre retilineamente como quem marcha para um destino; concentrado, pensativo, entregue obstinadamente aos profundos encantos da meditação. Pois bem: esse perfil cavalheiresco e leal, essa criatura romântica e silenciosa é Quintino Bocaiúva. Habituei-me, desde muito criança, a admirar e a respeitar este nome. E esse respeito e essa admiração que não eram, a esse tempo, mais do que a expressão convicta do meu entusiasmo pelo talento, são hoje, no meu espírito, a ratificação deste mesmo sentimento, mais largamente desenvolvido e mais solidamente baseado.

Não sou da intimidade de Quintino, e, pessoalmente, apenas o conheço de vista. Quanto ao homem público, porém, debaixo do seu duplo aspecto de jornalista e de político; quanto à personalidade distintamente acentuada do lutador visto aí, no duro e áspero conflito da vida pública, Quintino Bocaiúva é simplesmente o tipo exemplar da retidão, afrontando, cheio de impassível serenidade, todos os trabalhos e todo os obstáculos; tem sentido, como poucos, o contato áspero e inclemente das grandes contrariedades.

Entretanto, no meio desta peleja acerba e desfibrante, ele tem conservado inalteravelmente a atitude calma, a altivez intransigente de um forte, sem ter sucumbido, sem ter resvalado convenientemente, como tantos outros, para a serenidade burguesa e pacata, que resulta de um aviltamento cauteloso ou de uma apostasia oportuna. Na sociedade brasileira contemporânea, este fato, por si só, constituiu a mais austera lição e o mais brilhante exemplo. Quintino Bocaiúva, apesar da firmeza catoniana do seu temperamento, não é um homem que impressione pelo seu aspecto severo e duro. Ao contrário: ele impressiona pela singeleza e pela bondade, que derramam na sua fisionomia os tons brandos, docilmente expressivos de um vago misticismo ideal.

Cativam-me extraordinariamente as anedotas biográficas dos grandes homens, as originalidades e os tics dos espíritos superiores. Por isso, quando pela observação e pelo estudo compreendi que Quintino era um original, admirei-o com mais ardor e com mais entusiasmo. E, para dar uma ideia exata e precisa da originalidade de Quintino, já que aludi a isso, eu recordarei que ele nunca foi ministro, nem deputado, nem vereador, nem membro do Instituto Histórico.

Não tem passado de um jornalista, o que, na opinião pitoresca e fútil do Sr. Martinho Campos, é uma ocupação reles, indigna, prosaica, chata, de mau gosto. Felizmente - e isso consola - este ministro, eruditamente arrancado pelo Imperador das profundezas da paleontologia pátria, sabe experimentalmente, porque tem sentido, que o redator do Globo no seu posto de honra é uma força tanto mais respeitável e temida, quanto é robustecida fortemente pelo sentimento de honra, da justiça e do dever.

Quintino é um homem singularmente distraído. Vive constantemente recolhido, como um eremita, dentro do seu “eu’. Uma ocasião, - e este episódio é bastante expressivo - em um bonde de Botafogo, iam sentados no mesmo banco, na frente, juntos, em honesta camaradagem: Gusmão Lobo, Joaquim Serra e Quintino Bocaiúva. Em um dos bancos posteriores do veículo ia igualmente sentado um rapaz, cuja descrição fisionômica, os raros que porventura me conhecem dispensam, perfeitamente: era eu.

Levava os olhos sofregamente cravados naquela trípode de titãs, contemplando, cheio de interesse e de curiosidade, todos os movimentos particulares de cada um. A conversa tinha por objeto, cuido, um fato político da atualidade. Gusmão Lobo, conceituoso e grave, visivelmente interessado pelo assunto, argumentava com aquela fluência corretamente acadêmica que todos lhe reconhecem.

Joaquim Serra, o ridente e espirituoso folhetinista, com as cintilações pirotécnicas da sua verve, ponteava a questão de pequenas alfinetadas incisivas e hilariantes. Quintino, entretanto, sentado entre os dois, não dizia palavra. Ia mudo, calado, numa profunda abstração mental, afagando maquinalmente a barba, com o olhar esquecido no espaço. O seu cacoete particular, aquele movimento rápido do queixo, fazia pensar que ele estava ruminando silenciosamente alguma ideia.

Quintino costuma ir às vezes ao bilhar, dar desenvolvimento aos músculos. Por muito que ele carambole, estou convictamente persuadido que Faure Nicolay podia dar-lhe, em uma partida de cem - noventa e nove de partido. No jornalismo, porém, ele joga taco a taco com os mais notáveis colegas. E nunca perde.

                                                                   (A Gazetinha, 29-30-5-1882.)